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Adoro quando leio sobre uma felicidade que não é a minha felicidade, muito menos a de quem a escreve.
Clarice, nessa estranha compilação de textos bruxos, profundos na simplicidade de uma raiz exposta, alguns alucinados, como quando viu cores a mais no Jardim Botânico, mas todos escritos como se come um algodão doce, apesar de finais eminentemente trágicos e pessimistas, como por exemplo em O Impulso: Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei; ou em Banhos de Mar: Nunca mais? (parágrafo) Nunca mais. (parágrafo) Nunca; a Clarice dessas crônicas – porque ela só pode mesmo ter sido muitas mentirosas, até que, usando agora suas próprias palavras, comecei a mentir até a minha própria mentira e decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta, enfim, essa Clarice é como esse turbilhão, só que com muito talento para dizer a crueldade humana nos pequenos detalhes cotidianos, o inferno de não se poder ser múltiplo, apesar de todos os esforços para isso, ela fala sobre a felicidade pequena de um fruto de aroeira esmagado com a sola do pé ou no sal lambido dos braços na volta de bonde da praia de Olinda, todas são pequenas realizações que aproximam a escritora da verdade mais singela, aquela mesma que abraça o mundo e suga nossas tentativas, aquela que se repete como mantra sem nem ao menos podermos nos dar conta dela, e Clarice fala tudo como uma pessoa que nunca sorriu sem um propósito sério. Acho, sim, que quando ela sorri levemente, não é ela.
Em suma: como Lispector é triste, fala melhor sobre a felicidade porque, no caso dos tristes, ela é sempre menos insossa.
Agora, uma pérola Lispectoriana:
MAIS DO QUE UM JOGO DE PALAVRAS
O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse.
PS: o retrato de Clarice que ilustra a postagem foi pintado pelo grego Giorgio De Chirico.
2 comentários:
que maravilha, Leo.
Além de tudo que está acontecendo de novo com vc., eis que surge a incrível Clarice.
bjs. e saudade
Saudades, meu nobre!
Espero que estejas descobrindo belas cousas (não volte assado).
Clarice é legal mesmo.
O texto tá muito bom, gostei mesmo é do teu contexto: com Ana-afro até Caetano, pela Purificação...
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