Impressões e fragmentos de impressões depois de ver “No Direction Home”, documentário de Martin Scorsese sobre a vida de Bob Dylan:
“Louvado seja o homem. Ele existe no leite e vive nos lírios. E ouve-se música do seu violino no leite e no vazio arenoso. Louvado seja a pétala interna da carne não exposta, do pensamento suave. Louvada seja a desilusão, o ondular. Louvado seja o sagrado oceano da eternidade. Louvado seja eu, escrevendo, já morto, e morto outra vez”. (Jack Kerouac)
Dylan respira melhor do que a maioria do resto dos homens. Woody Guthrie atado a uma cadeira de rodas num manicômio de Morristown esperando pela sopa rala de coentro agitado demais para ser aceito num mundo sem vírgulas. Johnny Cash oferece a própria guitarra ao jovem Zimmerman em troca de três acordes. Tocar viola para uma multidão logo após o discurso de Luther King na Marcha para Washington. Eis os momentos inesquecíveis do garoto com voz gralhada de Duluth, Minessota, que tocou seus primeiros acordes por acaso, porque achou um violão velho no porão da sua casa e uma vitrola de 78 rotações. O resto é passagem, caminho sem procedência, lembranças esquecidas na chance das possibilidades de erro e acerto, como em tudo o que se move por paixão...
Como em dezembro desembarcar do subterrâneo direto para a neve grossa na McDougal Street, onde garotinhos bem-nascidos vindos do interior das bochechas gorduchas e rosadas chegam para conferir a cena estranha de formigas humanas apinhadas nas calçadas das aparências profanas em constante mutação. Ou bichas discretas procuram cachecóis cheirosos para poderem chorar pela dor do mundo que está tão longe do seu armário quanto da fé cristã no genocídio. Bem ali no Café Wha? ou no Gaslight, onde você podia ver Ferlinguetti em cuecas recitando com os dedos ou com uma máscara veneziana batendo à maquina um poema sobre um rapaz que pensa ser Tom Sawyer e caça caranguejos no Rio do Bronx, imaginando o Mississipi. E no San Reno – enquanto stalinistas e trotskistas brigam para saber qual o regime que planeja matar menos por trás de uma bandeira de sangue – o escritor James Baldwin flutua como um espectro sonolento do Bronx baforando a fumaça do resto do que sobrou do plano para a humanidade, na vitrola roda o som de uma velha cantiga tradicional irlandesa, pelo que Baldwin escarnece com o punho: “malditos irlandeses!”, e banjos e cítaras e rabecas e homens mascarados pendurados nos lustres e homens praticamente nus recitando poemas em pequenos palanques rangentes e mulheres de tranças cheias de benzedrina e moscatel esperando pelo próximo Arthur Rimbaud.
Dylan, com 20 anos, rouba 400 vinis raros de folk, muito Guthrie e Seeger e Williams e Cisco Houston e Leadbelly e Sonny Terry, de um amigo e depois vem a descobrir que John Wayne era o dono de muitos dos discos. John Wayne, 1 metro e 93 de altura, na frente de Dylan, um fedelho bochechudo, dizendo que vai fazê-lo do avesso se não devolver os discos. Dylan empalidece, não sabe o que fazer, mas não perde a calma, são as regras do velho oeste, então os dois começam a falar sobre Woody Guthrie (sempre a salvação do amor comum), até que Wayne se lembra porque estava ali e todo o drama começa outra vez.
Dêem um jeito de ouvir a letra de “When the ship comes in”, composta por Dylan enquanto ele andava traçando a Joan Baez e ambos eram impedidos de se hospedarem nos hotéis de beira de estrada porque, afinal, ela já era um estouro nacional, seria muito bem-vinda, mas não aquele moleque descabelado com idéias esquisitas.
“Ele era Charlie Chaplin. Era Dylan Thomas. Falava como Woody Guthrie. Estava em constante movimento (...) Não era necessário para ele ser uma pessoa definida. Ele era um receptor. Estava possuído. Articulava o que o resto de nós queria dizer, mas não conseguia”, empolga-se Liam Clancy, um dos Clancy Brothers, quarteto meio-acapela-meio-comuna, com os olhos perdidos cheios d’água, muito vermelho depois de uns 30 pints de cerveja ale no balcão de mogno do bar onde Dylan Thomas tomou sua última dose e onde sobrevive a marca da sua inquietude, de sua notável presença em fuligem, logo após Liam ter recitado em transe o desfecho do Lamento no relho do carneiro de Thomas.
“Aprender todos os elementos já conhecidos expressando abrangentemente e conduzindo um sentimento, era a essência universal do espírito de uma época. Acho que consegui fazer isso”. (Bod Dylan)
Dylan cantava como se estivesse preso, querendo escapar. O que torna suas músicas andantes, verdadeiras epopéias, se você for fundo na sua raiz e esquecer os rótulos musicais. Ele cantava de uma forma muito arcaica temas que jamais tinham sido escutados até então. Tinha a linha do tempo na ponta das idéias.
O trecho abaixo corresponde ao discurso de Bob Dylan na entrega do Freedom Award, um prêmio que recebeu em 1963, aos 21 anos, da União de Emergência Pelas Liberdades Civis, logo após o assassinato de Kennedy, pouco depois da crise dos mísseis em Cuba:
“Não tenho uma guitarra. Mas posso falar. Quero agradecer vocês pelo Tom Paine Award em nome de todos os que foram para Cuba. Primeiro, porque são todos jovens e levei tempo para me tornar jovem e agora me considero jovem, e estou orgulhoso disso. Estou orgulhoso de ser jovem. E gostaria que todos vocês que estão sentados aí esta noite não estivessem aqui, e eu visse todo mundo com cabelos na cabeça e coisas assim, que levassem à juventude. Pessoas velhas, quando perdem os cabelos, devem sair. Olho e vejo as pessoas que estão me governando e fazendo as minhas regras, e não têm cabelos nas cabeças. Fico nervoso com isso. Para mim não há mais preto e branco, direita e esquerda. Há só para baixo e para cima, e para baixo é muito perto do chão. Estou tentando ir pra cima sem pensar sobre coisas triviais, como política”.
Ouçam “Chimes of Freedom”, na versão original de Dylan.
Algumas boas letras de Dylan sobrepõem a melodia, como em “It’s alright, ma (i’m only bleeding)”, por isso acabam se tornando uma espécie de mantra, de ciclo frenético de pensamentos por sobre uma essência poética clássica, o que por conseqüência transforma Dylan numa espécie de Xamã, segundo Allen Ginsberg, o profeta beat, ao analisar a letra de “A hard rain's a-gonna fall”, na verdade os seguintes versos: “And reflect it from the mountain so all souls can see it” (e reflito da montanha para que todas as almas possam ver) e “I'll know my song well before I start singin'” (eu saberei minha canção bem antes de começar a cantar), relacionando-os com a essência zen-budista.
Allen Ginsberg volta para a América depois de incrível jornada: deportado de Cuba, porque uma conversa reservada na qual ele criticava a perseguição castrista dos gays vazou até chegar nas orelhas da ditadura. De Cuba parte para a República Tcheca, onde é condecorado com uma coroa de papel e nomeado Rei de Maio durante a Primavera de Praga, para depois também ser expulso do país porque gostava de garotinhos sem barba. Chegando de volta à América, para quem deu tudo e agora ele era nada, recebe ligação de Dylan, que o convida para acompanhá-lo em turnê. Viajam juntos para Chicago, onde Dylan recebe os Beatles no hotel. Ginsberg fica um pouco deslocado, até se embebedar sentado no braço da poltrona de Dylan, depois do que ele levanta e começa a dançar, então John Lennon olha para ele de esguelha e diz: “Por que não chega mais perto?”, e Ginsberg se dá conta de como, apesar de estarem carregando nas costas todo o fardo de uma cultura em mutação, eles eram ingênuos e novos. Então, no meio de uma pirueta, Ginsberg cai no colo de John e pergunta a ele: “Garoto, você já leu William Blake?”, para o que Lennon replica: “Nunca ouvi falar nele”, com uma voz rabugenta, e sua primeira esposa o desmente em seguida e todos riem e quebram o gelo de uma vez.
“Você não pode amar e ser esperto ao mesmo tempo”. Bob Dylan sobre seu caso com Joan Baez e a mágoa de Joan por Dylan não tê-la chamado ao palco enquanto ele fazia uma turnê pela América e ela se sentia como uma groupie entre alucinados que trepavam nas paredes, quebravam o quarto do hotel e viviam sem parar, enquanto ela mesmo se dizia uma careta, que achava que sexo era errado e drogas era errado e álcool era errado e rock n’ roll era errado, porque afinal ela era famosa e tinha convidado Dylan ao seu palco no festival de Newport pouco tempo antes, e Dylan nem mesmo tinha ainda reinventado o rock n’ roll.
Uma boa para ouvir agora: “Love is just a four-letter word”, que Baez pegou de Dylan sem ele saber.
Bob Dylan, sobre as vaias: “Eu tenho uma opinião sobre as vaias... Porque você tem que entender que pode matar alguém com gentileza também”.
“The house of the risisng sun” – a história é a seguinte: Dylan consegue finalmente uma gravação livre na Columbia Records, principal gravadora de NY, e uma das músicas que ele grava é essa canção com raízes no folk melódico britânico do século XVII, muito tocada por Dave Van Honk nos cafés do Village. Depois de gravada a sessão e prensado o disco, Dylan encontra com Van Honk na rua e pergunta se poderia gravar a música num disco. Van Ronk diz que preferia que não, pois pretendia gravar a música também. Dylan diz “oh-oh...”, e a partir daí Van Ronk é obrigado a parar de tocar a música nas suas apresentações, porque todos o acusam de a ter roubado de Dylan que, mais tarde, para delírio de Van Ronk, também é acusado de ter roubado a música dos Animals, quando Eric Burdon decidiu eternizá-la numa balada gótica.
Nas gravações de “Bringing it all back home”, nas quais os músicos simplesmente tocavam livremente o quanto pudessem – e como Dylan planejava montar uma banda que soubesse tocar o blues, chamou Mike Bloomfield para tocar com ele, porque, afinal, o fenomenal guitarrista havia se apresentado a Dylan dizendo que tinha escutado seus primeiros discos e queria mostrar a ele como se tocava o verdadeiro blues, e de fato, disponível na cena, segundo Dylan, não havia ninguém melhor do que ele –, o engenheiro de som, que era fanático por Dylan, pensou durante a sessão: “Deus em vez de pousar a mão no ombro desse cara, deu um chute no seu rabo. Por isso ele não consegue parar”.
Ouçam, quando quiserem ouvir um folk: “Yes, I see you’ve got your brand-new leopard-skin pill-box hat”.
Dylan nunca foi um cantor temático, ou “de protesto”. Aliás, isso é o mínimo que se espera de um cantor: um tema e um protesto. Do contrário é melhor ele fazer outra coisa, tentar uma carreira na assembléia constituinte por exemplo. Bob Dylan segue por um túnel próprio, nem sempre iluminado, muitas vezes confuso por entre bifucarções suspensas, mas sempre absorve quase osmoticamente o que existe no caminho dentro da sua máquina de processar associações frescas e idéias inusitadas. Toda sua força é marcada pela sua respiração, um sopro sem porto nem paradeiro.
“Um artista precisa se cuidar para nunca chegar a um ponto em que ele acha que já viu tudo. Tem sempre que entender que deve ficar constantemente em transformação, sabe? E enquanto você puder permanecer nesse estado, as coisas vão funcionar”.
(Bob Dylan)
“Louvado seja o homem. Ele existe no leite e vive nos lírios. E ouve-se música do seu violino no leite e no vazio arenoso. Louvado seja a pétala interna da carne não exposta, do pensamento suave. Louvada seja a desilusão, o ondular. Louvado seja o sagrado oceano da eternidade. Louvado seja eu, escrevendo, já morto, e morto outra vez”. (Jack Kerouac)
Dylan respira melhor do que a maioria do resto dos homens. Woody Guthrie atado a uma cadeira de rodas num manicômio de Morristown esperando pela sopa rala de coentro agitado demais para ser aceito num mundo sem vírgulas. Johnny Cash oferece a própria guitarra ao jovem Zimmerman em troca de três acordes. Tocar viola para uma multidão logo após o discurso de Luther King na Marcha para Washington. Eis os momentos inesquecíveis do garoto com voz gralhada de Duluth, Minessota, que tocou seus primeiros acordes por acaso, porque achou um violão velho no porão da sua casa e uma vitrola de 78 rotações. O resto é passagem, caminho sem procedência, lembranças esquecidas na chance das possibilidades de erro e acerto, como em tudo o que se move por paixão...
Como em dezembro desembarcar do subterrâneo direto para a neve grossa na McDougal Street, onde garotinhos bem-nascidos vindos do interior das bochechas gorduchas e rosadas chegam para conferir a cena estranha de formigas humanas apinhadas nas calçadas das aparências profanas em constante mutação. Ou bichas discretas procuram cachecóis cheirosos para poderem chorar pela dor do mundo que está tão longe do seu armário quanto da fé cristã no genocídio. Bem ali no Café Wha? ou no Gaslight, onde você podia ver Ferlinguetti em cuecas recitando com os dedos ou com uma máscara veneziana batendo à maquina um poema sobre um rapaz que pensa ser Tom Sawyer e caça caranguejos no Rio do Bronx, imaginando o Mississipi. E no San Reno – enquanto stalinistas e trotskistas brigam para saber qual o regime que planeja matar menos por trás de uma bandeira de sangue – o escritor James Baldwin flutua como um espectro sonolento do Bronx baforando a fumaça do resto do que sobrou do plano para a humanidade, na vitrola roda o som de uma velha cantiga tradicional irlandesa, pelo que Baldwin escarnece com o punho: “malditos irlandeses!”, e banjos e cítaras e rabecas e homens mascarados pendurados nos lustres e homens praticamente nus recitando poemas em pequenos palanques rangentes e mulheres de tranças cheias de benzedrina e moscatel esperando pelo próximo Arthur Rimbaud.
Dylan, com 20 anos, rouba 400 vinis raros de folk, muito Guthrie e Seeger e Williams e Cisco Houston e Leadbelly e Sonny Terry, de um amigo e depois vem a descobrir que John Wayne era o dono de muitos dos discos. John Wayne, 1 metro e 93 de altura, na frente de Dylan, um fedelho bochechudo, dizendo que vai fazê-lo do avesso se não devolver os discos. Dylan empalidece, não sabe o que fazer, mas não perde a calma, são as regras do velho oeste, então os dois começam a falar sobre Woody Guthrie (sempre a salvação do amor comum), até que Wayne se lembra porque estava ali e todo o drama começa outra vez.
Dêem um jeito de ouvir a letra de “When the ship comes in”, composta por Dylan enquanto ele andava traçando a Joan Baez e ambos eram impedidos de se hospedarem nos hotéis de beira de estrada porque, afinal, ela já era um estouro nacional, seria muito bem-vinda, mas não aquele moleque descabelado com idéias esquisitas.
“Ele era Charlie Chaplin. Era Dylan Thomas. Falava como Woody Guthrie. Estava em constante movimento (...) Não era necessário para ele ser uma pessoa definida. Ele era um receptor. Estava possuído. Articulava o que o resto de nós queria dizer, mas não conseguia”, empolga-se Liam Clancy, um dos Clancy Brothers, quarteto meio-acapela-meio-comuna, com os olhos perdidos cheios d’água, muito vermelho depois de uns 30 pints de cerveja ale no balcão de mogno do bar onde Dylan Thomas tomou sua última dose e onde sobrevive a marca da sua inquietude, de sua notável presença em fuligem, logo após Liam ter recitado em transe o desfecho do Lamento no relho do carneiro de Thomas.
“Aprender todos os elementos já conhecidos expressando abrangentemente e conduzindo um sentimento, era a essência universal do espírito de uma época. Acho que consegui fazer isso”. (Bod Dylan)
Dylan cantava como se estivesse preso, querendo escapar. O que torna suas músicas andantes, verdadeiras epopéias, se você for fundo na sua raiz e esquecer os rótulos musicais. Ele cantava de uma forma muito arcaica temas que jamais tinham sido escutados até então. Tinha a linha do tempo na ponta das idéias.
O trecho abaixo corresponde ao discurso de Bob Dylan na entrega do Freedom Award, um prêmio que recebeu em 1963, aos 21 anos, da União de Emergência Pelas Liberdades Civis, logo após o assassinato de Kennedy, pouco depois da crise dos mísseis em Cuba:
“Não tenho uma guitarra. Mas posso falar. Quero agradecer vocês pelo Tom Paine Award em nome de todos os que foram para Cuba. Primeiro, porque são todos jovens e levei tempo para me tornar jovem e agora me considero jovem, e estou orgulhoso disso. Estou orgulhoso de ser jovem. E gostaria que todos vocês que estão sentados aí esta noite não estivessem aqui, e eu visse todo mundo com cabelos na cabeça e coisas assim, que levassem à juventude. Pessoas velhas, quando perdem os cabelos, devem sair. Olho e vejo as pessoas que estão me governando e fazendo as minhas regras, e não têm cabelos nas cabeças. Fico nervoso com isso. Para mim não há mais preto e branco, direita e esquerda. Há só para baixo e para cima, e para baixo é muito perto do chão. Estou tentando ir pra cima sem pensar sobre coisas triviais, como política”.
Ouçam “Chimes of Freedom”, na versão original de Dylan.
Algumas boas letras de Dylan sobrepõem a melodia, como em “It’s alright, ma (i’m only bleeding)”, por isso acabam se tornando uma espécie de mantra, de ciclo frenético de pensamentos por sobre uma essência poética clássica, o que por conseqüência transforma Dylan numa espécie de Xamã, segundo Allen Ginsberg, o profeta beat, ao analisar a letra de “A hard rain's a-gonna fall”, na verdade os seguintes versos: “And reflect it from the mountain so all souls can see it” (e reflito da montanha para que todas as almas possam ver) e “I'll know my song well before I start singin'” (eu saberei minha canção bem antes de começar a cantar), relacionando-os com a essência zen-budista.
Allen Ginsberg volta para a América depois de incrível jornada: deportado de Cuba, porque uma conversa reservada na qual ele criticava a perseguição castrista dos gays vazou até chegar nas orelhas da ditadura. De Cuba parte para a República Tcheca, onde é condecorado com uma coroa de papel e nomeado Rei de Maio durante a Primavera de Praga, para depois também ser expulso do país porque gostava de garotinhos sem barba. Chegando de volta à América, para quem deu tudo e agora ele era nada, recebe ligação de Dylan, que o convida para acompanhá-lo em turnê. Viajam juntos para Chicago, onde Dylan recebe os Beatles no hotel. Ginsberg fica um pouco deslocado, até se embebedar sentado no braço da poltrona de Dylan, depois do que ele levanta e começa a dançar, então John Lennon olha para ele de esguelha e diz: “Por que não chega mais perto?”, e Ginsberg se dá conta de como, apesar de estarem carregando nas costas todo o fardo de uma cultura em mutação, eles eram ingênuos e novos. Então, no meio de uma pirueta, Ginsberg cai no colo de John e pergunta a ele: “Garoto, você já leu William Blake?”, para o que Lennon replica: “Nunca ouvi falar nele”, com uma voz rabugenta, e sua primeira esposa o desmente em seguida e todos riem e quebram o gelo de uma vez.
“Você não pode amar e ser esperto ao mesmo tempo”. Bob Dylan sobre seu caso com Joan Baez e a mágoa de Joan por Dylan não tê-la chamado ao palco enquanto ele fazia uma turnê pela América e ela se sentia como uma groupie entre alucinados que trepavam nas paredes, quebravam o quarto do hotel e viviam sem parar, enquanto ela mesmo se dizia uma careta, que achava que sexo era errado e drogas era errado e álcool era errado e rock n’ roll era errado, porque afinal ela era famosa e tinha convidado Dylan ao seu palco no festival de Newport pouco tempo antes, e Dylan nem mesmo tinha ainda reinventado o rock n’ roll.
Uma boa para ouvir agora: “Love is just a four-letter word”, que Baez pegou de Dylan sem ele saber.
Bob Dylan, sobre as vaias: “Eu tenho uma opinião sobre as vaias... Porque você tem que entender que pode matar alguém com gentileza também”.
“The house of the risisng sun” – a história é a seguinte: Dylan consegue finalmente uma gravação livre na Columbia Records, principal gravadora de NY, e uma das músicas que ele grava é essa canção com raízes no folk melódico britânico do século XVII, muito tocada por Dave Van Honk nos cafés do Village. Depois de gravada a sessão e prensado o disco, Dylan encontra com Van Honk na rua e pergunta se poderia gravar a música num disco. Van Ronk diz que preferia que não, pois pretendia gravar a música também. Dylan diz “oh-oh...”, e a partir daí Van Ronk é obrigado a parar de tocar a música nas suas apresentações, porque todos o acusam de a ter roubado de Dylan que, mais tarde, para delírio de Van Ronk, também é acusado de ter roubado a música dos Animals, quando Eric Burdon decidiu eternizá-la numa balada gótica.
Nas gravações de “Bringing it all back home”, nas quais os músicos simplesmente tocavam livremente o quanto pudessem – e como Dylan planejava montar uma banda que soubesse tocar o blues, chamou Mike Bloomfield para tocar com ele, porque, afinal, o fenomenal guitarrista havia se apresentado a Dylan dizendo que tinha escutado seus primeiros discos e queria mostrar a ele como se tocava o verdadeiro blues, e de fato, disponível na cena, segundo Dylan, não havia ninguém melhor do que ele –, o engenheiro de som, que era fanático por Dylan, pensou durante a sessão: “Deus em vez de pousar a mão no ombro desse cara, deu um chute no seu rabo. Por isso ele não consegue parar”.
Ouçam, quando quiserem ouvir um folk: “Yes, I see you’ve got your brand-new leopard-skin pill-box hat”.
Dylan nunca foi um cantor temático, ou “de protesto”. Aliás, isso é o mínimo que se espera de um cantor: um tema e um protesto. Do contrário é melhor ele fazer outra coisa, tentar uma carreira na assembléia constituinte por exemplo. Bob Dylan segue por um túnel próprio, nem sempre iluminado, muitas vezes confuso por entre bifucarções suspensas, mas sempre absorve quase osmoticamente o que existe no caminho dentro da sua máquina de processar associações frescas e idéias inusitadas. Toda sua força é marcada pela sua respiração, um sopro sem porto nem paradeiro.
“Um artista precisa se cuidar para nunca chegar a um ponto em que ele acha que já viu tudo. Tem sempre que entender que deve ficar constantemente em transformação, sabe? E enquanto você puder permanecer nesse estado, as coisas vão funcionar”.
(Bob Dylan)
Fica a dica para os interessados em nunca encontrar.