26.8.05

O tenor de sete mil e quinhentos reais



Entrou no carro acendendo um cigarro, como que invadindo – e estava de fato.
“Você fica aonde?”, perguntou o dono do carro,
já um pouco bêbado, mas um bom sujeito, bem suado.
“Moro em Olaria”, disse de olhos baixos o rapaz do cigarro.
“Te deixo ali quase na Central”.
“Tá legal”.
Era um sujeito meio pardo, calado, jaqueta de couro, sapatos apertados, com as solas
furadas, reclamava que lhe doía um calo, porque não tinha outro jeito, tocava numa
banda de pagode, só pra ganhar dinheiro, mas curtia os caras mesmo assim,
torcia por eles, “apenas não era a onda, saca?, meu lance é mais jáish* mesmo”.
“E tu fica por aí andando com esse sax niquelado, sem carro?”
“Espero que só até o fim do ano”.
“Vai fazer o que até lá?”
“Tenho uns planos...”
E então falou de influências, Coltrane e outros dois saxofonistas brancos.
Eu conhecia vagamente o Coltrane e nunca tinha ouvido falar nos brancos.
Ficamos portanto com Coltrane...
“Teve uma que não teve jeito... eu não acertei”
“Não era In a Sentimental Mood”
“Duke e Coltrane, isso!”, disse o Joel
– aliás, esqueci de dizer que o nome do cara era Joel,
e que tinha um sax tenor de sete mil e quinhentos reais
dentro de uma caixa sem espuma, e o sax era niquelado.
Ouro demais para os olhos de um homem...
Era como uma mulher de ouro plena de si dormindo abraçada nas pernas.
Uma mulher dourada e plena e delicada que ainda era capaz de assobiar.
Disse a ele: “Se eu tivesse um sax como esse, ia preferir um meio fosco”.
“Gosto do meu assim”,
ele disse gentilmente,
e correu com os dedos
a couraça sem espuma
que guardava seu segredo

junto com sua alma dentro.

* jáish é jazz em caetanês.

3 comentários:

Anônimo disse...

...algumas palabras que iniciam as frases não aparecem na tela... fica meio cortado o texto.
Onde vc. achou esse saxofonista?

Anônimo disse...

Leo, Leo, Leo.Parabéns pelo blog, pelos textos, por Ednaldo, o pervertido, pelos saxofonistas e pelas meninas da escola. PElos meninos também, suaves beletristas. bjos. Ana

leonardo marona disse...

Ana Claudia Calomeni, é vc quem me dá a honra? espero que esteja legal, uma amiga fez pra mim. Se fore vc mesmo, e se ler isso daqui, quanto ao nosso conto de quatro mãos, mil perdões, acabei não conseguindo fazer.

beijos,

leo