15.8.05

Eu e Tonto Poe e Annabel Lee do outro lado da lua

Tem sido uma tarefa difícil fazer o fácil. Tenho tentado um armistício com o passado. Olhando no espelho rio dos meus resultados. Mas como sou fraco! Não consigo ser eu mesmo meu próprio resultado. Me parecendo tão cedo para mais um trago da morte e mais um parto. Tristes são as venezianas que, sempre nas janelas, não ganham descanso do vento, do sol, da escuridão, da luz cansada e lenta das velas. Quando a noite por aqui terminar e quando meu amigo sem amigos Tonto Poe der sua ultima volta depois do pingo-fim da última garrafa e quando os corvos todos já bateram asas e sobrou apenas meu gato preto e minha carne dentro de paredes atijoladas sobre o tempo do que nem me lembro mais da minha mocidade, algum feixe raro se fará rajada do outro lado da lua cheia: o lado que não se poetiza porque agora é tarde. A rajada será colorida, verde, cheia, constante e seremos eu e Tonto Poe abraçados no meio da rua, cambaleantes como a última onda do mar de luz da amizade pura. Quando as cores se confundirem com meu rosto no espelho, vai ser a última vez que quero sofrer por não saber ter coragem. Vai ser a última vez que pensarei sem tremer com toda falta de bondade. Vai ser eu se fosse tu comigo dando adeus a deus: minha luz rajada cênica de lua da lua que não está na arte. Vou ser apenas mais um corpo cheio de pernas descendo no escuro da última viagem para o fim da tarde da última primavera. Queria dizer para vocês que vai ser bonito, calmo, que a cabeça finalmente vai descansar, para não ter que dizer que o trovão que voa mais alto da terra para o chão do universo pálido vai rachar finalmente o pouco do resto do ranço do desejo de engano de tantos pobres coitados. E, ainda assim, será tarde porque ao que parece eu já nasci tarde e as escadas da noite-foice não param de descer suas lâminas sobre minha testa enrugada com cada vez mais espaço entre os degraus da escada e mais medo de ser o último vão como... agora!... Quando tropeço e caio e Tonto Poe não está ali para me segurar. Tão longe de mim que nem meus nervos podem tocar. E isso tudo só de pensar no teu rosto antes de dormir, minha querida Annabel Lee, e depois do sono tremer de frio ao beber teu suor num copo sujo, vai ser quando brindarei à noite pela última vez. E então as rajadas não serão mais tão coloridas (apenas fantasmas no lugar do meu rosto) e as escadas nunca foram de subida nem descida (apenas mais uma piada de mau gosto) e você nunca foi desculpa nem me deu uma vida (apenas uma amostra do meu próprio fosso) e quando digo “você”, é como se quisesse dizer: você sou (o que tenho medo de admitir) eu mesmo de novo.

Um comentário:

natércia pontes disse...

esse texto está dando o tchiutchi.