16.8.05

Dois intelectualóides bêbados conversam sobre poesia chinesa num bar cheio

Já leu Li Po?

Hein?

Li Po...

Ah! Li, pô...

É... Li Po: o poeta chinês.

Tô sabendo... Li, pô.

Esse mesmo.

Eu disse “li, pô”!

Eu também disse...

E gostou?

Não... Nunca li...

Mas você disse que também disse.

Disse Li Po. Não que tivesse lido Li Po. E então, você leu?

Eu li Li Po, pô! Foi o que eu disse...

Ah, sim! Então você leu...

Li, pô... Já falei!

E o que achou?

Achei difícil...

Mas me disseram que ele só falava de tomar vinho e ver o céu.

Por isso mesmo.

Como assim?

Acho difícil falar disso...

Talvez...

Acho difícil apenas tomar vinho e ver o céu de ressaca.

Acho que tem coisa mais difícil do que isso...

De fato... Mas a impressão que me dá é que ele nunca trabalhou pra viver. Isso é difícil.

Mas as poesias são boas...

Como você sabe? Você nunca leu Li Po, pô!

Nunca li Li Po, mas imagino que sejam bonitas. Me disseram que eram.

Você acredita no que te dizem?

Não... Quase nunca. Mas dessa vez acreditei. Às vezes é bom.

Sim... E o pior é que ele trabalhou.

Quem?

Li Po.

Já sei que leu. Mas quem trabalhou?

Ele. Li Po. O poeta chinês... Foi secretário-deputado-assistente-juiz de um tal Chou-Chih.

O que é um secretário-deputado-assistente-juiz?

Não sei. Mas ele foi isso.

Eu queria escrever sobre tomar vinho e olhar pro céu estrelado.

Mas ele se lascou também. Tomava vinho por isso. Foi exilado duas vezes. Daí endoidou.

Endoidou, é?

Hum hum... E começou a vagar por aí, enchendo a cara de vinho.

Classe...

Pois é...

Mas onde ele arrumava o vinho quando não tinha trabalho?

Naquela época era mais fácil arrumar vinho.

Queria ter vivido naquela época.

Eu não. Se hoje na China matam o sujeito e cobram pela bala, imagina naquela época.

Que época era?

Início dos anos 700, depois de Cristo.

Você é católico?

Não. Mas bebo vinho. Como Cristo. E como Li Po.

Ele era católico?

Não. Acho que era taoista.

O que é um taoista?

Não sei.

Um dia vou escrever uma novela sobre beber vinho e olhar as estrelas...

Vai, é?

Vou. Já tenho um título até. Vai ser C’est à cause du vin.

Por que em francês?

Porque fica bonito. Não acha?

Acho que parece coisa de viado.

Eu sou viado...

Ah é... Tinha esquecido...

E então o bar ficou mais cheio, a gritaria mais alta e os dois constrangidos demais para fazer outra coisa que não pedir novos copos gelados e mais uma cerveja cara demais.

Nenhum comentário: