21.11.21

"aula de filosofia alemã"


fazer do foi assim um assim eu quis,

falar a estrela bailarina da boa meta,

mais alta esperança pelo desprezível,

plantar, plantar – dar nome às plantas,

sem nada, dar à luz nenhuma estrela.

perdidas estão as chances de elevação

da nossa turba à procura de conforto,

como cápsula que guarda sua aurora

e arrebenta seu crepúsculo, sem deus:

genuína divisão da nossa espécie fraca.

7.11.21

"um poema para brian eno"

 

porque há uma forma

                          toda especial

             de se ajeitar

             uma almofada velha

atrás das costas

                       de tal maneira

que pareça que aquilo

           só poderia acontecer

             a uma única pessoa

             que é você, veja só,

esta seria uma coisa

para muito além

de toda expectativa.

 

ou porque existe algo

na forma como você

acende um cigarro

quando é de manhã

                                  e faz sol

em cima do telhado,

onde há uma placa:

                      proibido fumar

(ainda que este sol louco)

          em cima do telhado,

e aquela besteira toda,

aquela rebeldia lenta,

               ejaculação precoce

diante de um mundo

                 eunuco e flácido –

essa música que tocamos

enquanto fazemos coisas

é também algo enorme

que só pode ter seu nome

dito no auge do silêncio

ou da nota constante

na queda de um avião

num precipício de penas,

                  peça coadjuvante

da sua própria criação.

2.11.21

"para nelson freire"


in memoriam


sou o músico que não

conhece o seu instrumento,

mas ama-o e, quanto mais

o ama, menos o conhece.

e só daí tira força para

aumentar ainda mais

esse desconhecimento vital,

que também se chama morte,

quando o silêncio se alimenta

de rachaduras, e tu que és

o músico te sentas outra vez

diante do teu instrumento,

com as mãos trêmulas

e nenhum domínio da tua

língua, nada que possa encobrir

o catálogo dos teus erros,

a gota da tua seiva secou

no amparo da tua sorte,

tudo se afasta agora

e reconheces o milagre,

o duro milagre da falta

que te move para dentro,

quando te assustas e queres

então sair, mas não há

para onde sair já que nunca

entrastes, sempre observando

à distância o que te cobra o cerne,

tão lindo quanto mais distante,

tão puro quanto mais profundo

é teu rigoroso desamparo,

mas de qualquer outra forma

não seria amor.