6.12.19

“a cachorrinha cagou tudo: uma novela paulistana”



percebo que estão todos insanos,
amo profundamente minha vida
por alguns instantes passageiros.

eu também, ao amar, não estou
longe da insanidade, ao contrário.
abro-me a ela então ela opta por
alguém ao meu lado, alguém mais
maduro, alguém que se defenderá
melhor que eu neste mundo cruel.

a insanidade, comumente, escolhe
mais bem preparados hospedeiros
do que eu poderia ser, com minha
para todo sempre confusa ideia do
que exatamente estamos fazendo.

e quem sabe agora que os sensatos
dizem não há mais futuro com que
nos preocuparmos e iremos todos,
loucos e sóbrios, para a funda vala,
é justo que agora, justamente agora,
os guias plácidos da última década,
que miravam uma fantasia gratuita
para que houvesse um amor calmo
entre seres humanos de fato únicos,
eu os veja completamente pelados
agarrados ao velho mastro de guerra,
uma velha guerra para sempre perdida,
cegos na proa de um navio amotinado.

seria justo pensar nisso enquanto subo
a avenida angélica – que nome bonito
para uma grande rua num lugar onde
não se pode entender mais nada então
vamos todos para este lugar à procura
do que não se pode entender em nós.

subo, portanto, a angélica, que eu uso
como a espinha dorsal do meu amor
por esta cidade que me acolhe como
a baba de um camelo sedento ao sol,
de um deserto imaginário que convida
a todos os adeptos dos livros velhos,
para gozar elegantemente a dissolução
– o que ainda assim é o amor e a sede.

subo atrás de novos amigos e amigas,
quem diria você, com idade de perder
os dentes e entender as coisas da vida,
fazendo amigos num lugar incomum
e não entendendo nada, deixando-se
espancar docemente no ringue da vida,
um cassius clay bailarino das opções
brincalhonas, finalmente não levando
quase nada muito a sério a não ser este
que sempre será o caminho que friza:
é preciso levar a corda solta – e confiar
no burro silencioso dos passos escuros.

é uma noite medonha que mais uma vez
se anuncia e em nossas entranhas vibra
talvez a nossa única chance de perdurar.
por enquanto rasgamos juntos as roupas,
no grande vazio onde assaltamos os trens
em chamas rumo a lugar nenhum, ainda.

bancos parecem lanchonetes, os parques
são usados para telefonemas de trabalho
enquanto eu tiro e cheiro minhas meias,
piso os pés no chão e me sinto preparado
como um brancaleone capaz de se fazer
de morto, mas também de esperançoso.

lanchonetes parecem bancos, aguardam
noutra esquina talvez os ganchos que por
ora soltam tua carne por outra mais fresca.
mas nos meus sonhos só vejo as mãos que,
assustadas, agarram o não sei que de vivo
que trazemos ainda em nossas veias ruins.

outra vez lamenta futuro a nova década,
não consigo pensar em nada além de que
escapamos o tempo todo e estamos juntos,
agarrados, não há outra palavra, à suspeita
sintonia fina dos nossos destinos a perigo.





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