13.3.17

"levem-me a lisboa"


                                                                                                de uma conversa com mariano marovatto


todo mundo que eu conheço vai a portugal
lugar que imagino como a vagina dentada
por onde escorre a saliva que vira mangue
córrego choroso do meu não deslocamento.

mas os manos de verdade não vão a portugal,
fico eu pensando enquanto morro querendo ir
enquanto me corroo da vontade de me lançar
no mar originário, vagina suprema do escape.

ir seria matar em mim o que me fez falar assim
e me faz suplicar: levem-me também a lisboa!
o que me faz imaginar poetas virgens e baixos
que morrem ou matam com bigodes assassinos.

mas, no sobe-desce de lisboa, encontram-se sob
o sol histórico da camaradagem e da escravidão
amigos SERIE A que partem com seus arpões
poemas que, ao serem lidos, refletem o silêncio
porque poesia, em portugal, é coisa muito séria.

5.3.17

"tua desastrosa forma de acelerar"


engulo um a um teus passos até que estanque
tua capacidade monstruosa de correr
tua desastrosa forma de acelerar
de fazer apodrecer o que não se supunha
mas era parte de uma verdade caduca
o estômago antecipando fezes de um dia comum
esse triz que nos move empalidecidos de pavor
choroso sorriso diante da chance de compreender
a impossibilidade de dizer do que se foge para onde
mas quando te vi pela primeira vez eu sabia
que morcegos de olhos rubros dormiam em nossos crânios
que margens em transe nos trouxeram até aqui
que apenas fora da bondade o amor é uma escolha
que algo nos empurra para uma troca mais sutil
a vida sutil é um empurrão gastando os flancos
mas é por falta de sutileza que duas pessoas se topam
por falta de sutileza nunca alcançamos sutileza bastante
por falta de sutileza escrevemos poemas aduncos
nos damos as mãos no verão antártico das gralhas
deus não entende as orações dos seus santos
a nobreza é como a sífilis algo sempre permanece
a morte é a mãe dos pobres a viagem mais cara
o justo é sempre indefeso onde o tirano é escolástico
sem ti eu só consigo pensar no que nos trouxe aqui
a loucura doce de se largar no que se pressente
estar por um pingo de si para poder escorrer
na mais linda e desastrosa forma de acelerar
e me tornar um homem cego sem passado
para todos os dias poder sentir o primeiro frio
que teus olhos carregam na tua ancestralidade
insensata maneira de tocar o mistério suplicante
no lugar da loucura erguer a bandeira da imaginação.