27.11.12

"toneladas no deserto"


há certos tipos tísicos
um tanto melancólicos
que já não têm escolha.

estão sempre apoiados
em alguma cruz alta.

se lhes tiram a cruz
caem desconfiados
assim como se lhes
faltassem os braços.

só sabem o caminho
do fim – mas o início
de qualquer episódio
solene, que não seja
heroico, causa coceira,
pois atrai a luz divina.

um pouco loucos, sim,
mas também carinhosos,
tais tipos são, em suma,
uma péssima escolha.

porém são os únicos
capazes de arrastar
toneladas no deserto.

conhecem melhor
a fragilidade ímpar
do sonho convicto.

sozinhos eles marcham
tristes e desconfiados:
testas de ferro do amor.

26.11.12

"aquário"


forço no
mundo
o que
não sei.
o mundo
pode
ser no
máximo
divertido
e no
mínimo
intolerável.

não querer,
não querer
tudo que
se quer.

e querer
demais
aquilo
em que
nem se
pensa.

deses-
pero
desse
pote,
desse
vidro
cheio
de nada.

feito para
servir de
um outro,
montei a
redoma
que me
asfixia.

arruinado
talvez pela
felicidade,
a coisa toda
ficará pior.

o íntimo é
demais ao
que serve
de espaço.

e não se
procura
em fotos
a malha
finíssima
do esque-
cimento.

14.11.12

Ariel (Sylvia Plath)



Stasis in darkness.
Then the substanceless blue
Pour of tor and distances.

God's lioness,
How one we grow,
Pivot of heels and knees! -- The furrow

Splits and passes, sister to
The brown arc
Of the neck I cannot catch,

Nigger-eye
Berries cast dark
Hooks ----

Black sweet blood mouthfuls,
Shadows.
Something else

Hauls me through air ----
Thighs, hair;
Flakes from my heels.

White
Godiva, I unpeel ----
Dead hands, dead stringencies.

And now I
Foam to wheat, a glitter of seas.
The child's cry

Melts in the wall.
And I
Am the arrow,

The dew that flies,
Suicidal, at one with the drive
Into the red

Eye, the cauldron of morning.
 

Ariel (trad. leo marona)

Estanca-se em trevas.
Então a cascata insubstancial
Azul de rocha e distâncias.

Leoa de Deus,
Num só crescemos,
Eixo de joelhos e patas! -- A fenda

Se racha e passa, irmã do
Bronzeado arco
Do pescoço que não pego,

Sementes
Olho-negro lançam escuros
Anzóis ----

Doces bocas cheias de sangue,
Sombras.
Outra coisa além

Me arrasta pelo vento ----
Coxas, cabelo;
Lascas de minhas patas.

Godiva,
Branca, eu descasco ----
Mãos mortas, mortas asperezas.

E agora eu
Espumo no trigo, brilho de mar.
O choro da cria

Derrete no muro.
E eu
Sou a flecha,

Orvalho que voa,
Suicida, de impulso harmônico
Adentro o olho

Vermelho, caldeirão da manhã.

4.11.12

"Wanting to Die" (Anne Sexton)




Since you ask, most days I cannot remember.
I walk in my clothing, unmarked by that voyage.
Then the almost unnameable lust returns.

Even then I have nothing against life.
I know well the grass blades you mention,
the furniture you have placed under the sun.

But suicides have a special language.
Like carpenters they want to know which tools.
They never ask why build.

Twice I have so simply declared myself,
have possessed the enemy, eaten the enemy,
have taken on his craft, his magic.

In this way, heavy and thoughtful,
warmer than oil or water,
I have rested, drooling at the mouth-hole.

I did not think of my body at needle point.
Even the cornea and the leftover urine were gone.
Suicides have already betrayed the body.

Still-born, they don't always die,
but dazzled, they can't forget a drug so sweet
that even children would look on and smile.

To thrust all that life under your tongue!--
that, all by itself, becomes a passion.
Death's a sad Bone; bruised, you'd say,

and yet she waits for me, year after year,
to so delicately undo an old wound,
to empty my breath from its bad prison.

Balanced there, suicides sometimes meet,
raging at the fruit, a pumped-up moon,
leaving the bread they mistook for a kiss,

leaving the page of the book carelessly open,
something unsaid, the phone off the hook
and the love, whatever it was, an infection.


"Querendo Morrer" (trad. Leonardo Marona)

Se quer saber, a maioria dos dias não me lembro.
Ando na minha beca, desmarcada por essa viagem.
Então a quase inominável luxúria retorna.

Mesmo agora não tenho nada contra a vida.
Conheço as lâminas de erva que você mencionou,
a mobília que você posicionou debaixo do sol.

Mas suicídios têm uma língua especial.
Como carpinteiros, querem saber que ferramentas.
Eles nunca perguntam por que construir.

Duas vezes eu tão simplesmente me declarei,
havia subjugado o inimigo, engolido o inimigo,
arranquei dele sua arte, sua mágica.

E desse jeito, pesada e pensativa,
mais quente que óleo ou água,
eu descansei, escorri pelo buraco da boca.

Não pensei no meu corpo a ponto de agulha.
Mesmo a córnea e a urina dispensada se foram.
Os suicídios acabaram de trair o corpo.

Natimortos, nem sempre morrem,
mas, cegos, não podem esquecer droga tão doce
que mesmo crianças olhariam com sorrisos.

Confiar toda essa vida debaixo da língua!—
que, por si própria, torna-se paixão.
A morte é um osso triste; partido, você diria,

ainda assim ela espera por mim, ano a ano,
em desfazer tão delicado e velhas chagas,
para me tirar o fôlego de sua prisão ruim.

Equilibrados ali, suicídios às vezes se cruzam,
com raiva das frutas, uma lua estourada,
deixando o pão confundido com um beijo,

deixando a página do livro aberto sem cuidado,
alguma coisa não dita, o telefone fora do gancho
e o amor, seja lá o que tenha sido, uma infecção.