23.9.12

"sobre como tratar um rapaz"


o que me intriga é que um belo dia
tia maria que cuida da esquina
me deu um saco com vários preservativos
(proibida a venda) e também muitos sachês
de lubrificante íntimo, fora os saquinhos
de amendoim diários e as aulas de
“sobre como tratar um rapaz”.

o que pretende tia maria
com essa louca apresentação
a não ser indicar coisas que talvez
ela veja em mim, ou em qualquer um como eu,
mas que sou incapaz de ver em mim mesmo,
porque não entendo nada desse assunto de
“sobre como tratar um rapaz”.

prometo, no entanto, que, em respeito
à nobre e de difícil aceitação sugestão indireta
de tia maria, eu serei o mais cuidadoso
e escorregadio rapaz de que se ouviu falar
e manterei o que sobrar sempre à mão,
farei questão de dar a vida ao dever de
“sobre como tratar um rapaz”.

20.9.12

"noturno da primavera"

com o pensamento em rilke


quando nasce o dia em nós
(porque é irrelevante quando nasce o dia no mundo)
arrumamos logo afazeres
que justifiquem sua morte em batalha:
arrumamos a estante, fumamos cigarros na janela,
planejamos ilhas, ouvimos frases futuras,
falsos amores, algo parece coçar no corpo,
algo como uma presença maior que começa
a invadir o espaço que nem sabíamos ter.

daí vêm os textos, frescos nas ideias,
pouco importa sejam ideias descartáveis;
o descartável, com o pavor do que se aguarda,
o dia que materializa e dispersa a louca
ideia de que somos algo e não qualquer coisa,
o dia que deverá, de todo modo, ser utilizado
até sua morte, sugado como um escravo,
torna-se perceptível, justo e firme
como uma realidade intransigente.

daí nos vem a ideia de colher
pequenas pétalas que caiam pelo chão.
daí a ideia de que, sendo noite de ninguém, ó rosa!
fechaste tantas pálpebras em pleno dia.
ideia, planos, a vertigem e o medo do que,
apenas sendo, não se sabe o que é.
vantagem e desvantagem da noite:
dentro dela nós não passamos
de restos do que não foi o dia.

18.9.12

"geração cristal"


frases de éter nos salvarão.

as correntes amamentadas
por búfalos portáteis em nós
fundarão a língua brânquia.

com as cabeças nas imagens
seremos sonhos sem cabeça.

com trompetes em ferrugem
alucinaremos bebês antigos,
manteremos sujas as marcas.

por não podermos entregar
nosso estreito osso de amor
sorriremos firmes na chuva,
colheremos falsas papoulas.

de nossa turbulenta ternura
amarela um sol de abelhas
que faz jus à tripa receosa
onde incha o nosso veneno.

férias em doença trarão paz
aos túmulos da nossa elegia.
gotas nos olhos feito saúvas
são o mundo como antídoto.

e que beleza é o morto-vivo,
que sem estar e até não sendo
compreende esse túnel pálido
de onde emana a pura beleza
de não esperar, e querer tudo,
fazer rolar o dado, e se perder.

16.9.12

"o fim do menino"


agora é o fim das nossas noites áticas,
é preciso destruir um novo testamento.
enchemos de varizes as casas pálidas
e pouco sobrou à comunhão do adeus.

eis que estamos contando novos votos,
e a percepção dura menos que amizade.
as coisas das pedras lindas, estas jamais
nos trarão de volta a cor rara do adeus.

eis as curvas, grossas flores de tragédia,
eis as matas, mantidas em calças limpas.
a cor da fruta é mais a falta da cor viva,
e choramos infantis no coração do adeus.

bem métrico, mas não tanto quando sou,
bem métrico, e pouco abaixo do intestino.
mas como querer fazer as vezes de adulto
se procuro a convulsão alerta do menino.

mas o menino não soube dizer até logo;
aqui está ele em vestes formais de ateu.
as convulsões noturnas estão à margem:
se diz do menino o que se diz do adeus.