mariana, você pôs tudo a perder.
eu era apenas um sujeito surdo
arrasado pela justiça e assado
pelo tempo, e tinha tremeliques.
não havia muito espaço entre nós
e, ainda por cima, eu era um cara
puro de espírito, com tremeliques.
mariana, você não soube esperar
pela majestade que não se revela
na verdadeira fonte da felicidade.
andávamos de mãos dadas, víamos
as garças na Praia da Urca, e você
adorava o efeito das minhas coxas
no teu segredo raro entre as pernas.
outro dia te vi, mariana, sem a crina
pela qual você ficaria mundialmente
conhecida dentro de mim, sem crina
você me pediu “escreva um poema
para mim, como fazia antigamente”,
e eu disse “mas sobre o que eu posso
falar que já não tenha falado antes?”
“quem falou: aquele que mais ama é
subjugado e tem que sofrer?", você disse.
“não sei, Thomas Mann?”, eu respondi.
“sim, e o que você disse, você lembra?”,
ela disse, e eu: “não lembro, o que foi?”
“pelo menos, você terá amado mais”,
foi isso que eu disse, e ela queria saber
o que eu lembrava e eu me lembrava,
mariana, da sua crina encaracolada,
primordialmente da sua crina isenta,
como já não somos mais, e agora nós
estamos aqui de novo, e você me pede
um poema, lembranças, e são algumas,
mas nada como era a crina de mariana,
e não entristeça, mariana, porque eu disse
que sem a crina você parecia até mesmo
uma dessas apresentadoras de tele-jornal.
eu amaria a apresentadora de tele-jornal,
com sua sexualidade vazia, cabelo curto:
mas não como amei a crina de mariana.
28.10.10
22.10.10
"Por que eu amo a França" (Leonard Cohen)
Ó França, você deu sua língua aos meus filhos, seus amantes e seus cogumelos à minha mulher. Você cantou minhas canções. Você entregou meu tio e minha tia aos Nazistas. Eu conheci o peito de veludo da polícia na Praça da Bastilha. Eu tirei dinheiro dos comunistas. Eu deixei a minha meia-idade na cidade leitosa de Luberon. Eu corri dos cães de guarda numa estrada ao redor de Rousillon. Minha mão treme na terra da França. Eu vim até você com uma asquerosa filosofia de santidade, e você me deu banho e me fez sentar para uma entrevista. Ó França, onde eu fui levado tão a sério, que tive que reconsiderar minha posição. Ó França, qualquer messias chinfrim te agradece por sua própria solidão. Eu quero estar noutro lugar, mas eu estou sempre na França. Seja forte, seja nuclear, minha França. Flerte com todos os lados, e fale, fale, nunca pare de falar sobre como viver sem Deus.
texto retirado e traduzido do livro "Book of Longing" (Penguin Books, 2007)
13.10.10
"Bolaño's Heart Hotel"
sou eu aquele rapaz pulando
uma cerca no interior de uma vila
quente e seca num verão esturricante
enquanto espero o ônibus, e tenho
um bigode de viking e um coração
pálido, desavenças pelas quais fugi
de onde nasci e agora me entranho
no centro da lama de um lugar alheio,
meus trapos, meus sonhos beatniks
me embalam em direção ao mundo,
os cães passam voando com suas línguas
de fora e sua adorável delicadeza
estúpida e assassina, são perros románticos
e vieram para nos matar de amor,
com o peso da fartura de nossos corpos
que correm ao léu, e deixam rastros
e pistas selvagens sobre a sobrevivência
heróica dos pequenos abençoados
exilados de deus – sou eu aquele rapaz,
o estômago pelo avesso, sou aquele
rapaz que não pede, pequeno petulante:
aqueles eram meus longos cabelos.
uma cerca no interior de uma vila
quente e seca num verão esturricante
enquanto espero o ônibus, e tenho
um bigode de viking e um coração
pálido, desavenças pelas quais fugi
de onde nasci e agora me entranho
no centro da lama de um lugar alheio,
meus trapos, meus sonhos beatniks
me embalam em direção ao mundo,
os cães passam voando com suas línguas
de fora e sua adorável delicadeza
estúpida e assassina, são perros románticos
e vieram para nos matar de amor,
com o peso da fartura de nossos corpos
que correm ao léu, e deixam rastros
e pistas selvagens sobre a sobrevivência
heróica dos pequenos abençoados
exilados de deus – sou eu aquele rapaz,
o estômago pelo avesso, sou aquele
rapaz que não pede, pequeno petulante:
aqueles eram meus longos cabelos.
10.10.10
"bravata"
eu sei, meu amor, que contigo aqui no meu colo,
tuas pernas duras, eu não preciso de mais nada,
e eu sei, meu amor, eu sei, todos nós sabemos,
que você está certa, eu sempre sonhei com um amor
que, como você, pudesse me ver escrevendo,
trabalhando no que mais amo e não trocaria nunca,
e eu sei, mamacita, dizemos sempre, ou tentamos,
coisas doces um ao outro, dessas de seguir vivendo,
mas acontece, meu amor, que eu preciso morrer,
eu preciso morrer horrivelmente, vergonhosamente,
eu preciso morrer como morreram meus heróis,
eu preciso morrer numa estrada para o México,
eu preciso morrer de tifo, de sífilis, de paixões abissínias,
eu preciso morrer sem deixar nada além de um Prêmio Nobel
e comentários inteligentes de homens já sem próstata,
enquanto, nos jornais, eles dirão: “grande escritor, abençoado
com a capacidade de narrar as questões medulares da raça humana,
morre de forma chocante, paródica, um tiro de espingarda na boca”,
e isso não será de todo feio, minha paixão, eu espero
que você me entenda, eu não preciso de cura ou benção,
estou abençoado pelas caronas nos trens de carga,
quero estar tremendo um dia, numa estrada de neve,
quero saber quem é quem nesse dia, por essa estrada,
e, sabendo quem é quem, quero tremer de medo, pensar:
“vergonha por tudo que pensei ter feito”, e sentar,
tocar uma bela punheta no meio do mato e sorrir
com os mesmos velhos dentes dos quais um dia disseram:
“um belo sorriso, rapaz intrigante, a febre da raposa”,
e quero morrer fulminantemente neste dia, no meio da neve,
mas agora você me dá seus pés, você deita seus pés no meu colo
enquanto escuto Highway 61 e isso é tão bom quanto uma bravata,
mas talvez não tanto quanto esta porque, meu amor, eu farei.
tuas pernas duras, eu não preciso de mais nada,
e eu sei, meu amor, eu sei, todos nós sabemos,
que você está certa, eu sempre sonhei com um amor
que, como você, pudesse me ver escrevendo,
trabalhando no que mais amo e não trocaria nunca,
e eu sei, mamacita, dizemos sempre, ou tentamos,
coisas doces um ao outro, dessas de seguir vivendo,
mas acontece, meu amor, que eu preciso morrer,
eu preciso morrer horrivelmente, vergonhosamente,
eu preciso morrer como morreram meus heróis,
eu preciso morrer numa estrada para o México,
eu preciso morrer de tifo, de sífilis, de paixões abissínias,
eu preciso morrer sem deixar nada além de um Prêmio Nobel
e comentários inteligentes de homens já sem próstata,
enquanto, nos jornais, eles dirão: “grande escritor, abençoado
com a capacidade de narrar as questões medulares da raça humana,
morre de forma chocante, paródica, um tiro de espingarda na boca”,
e isso não será de todo feio, minha paixão, eu espero
que você me entenda, eu não preciso de cura ou benção,
estou abençoado pelas caronas nos trens de carga,
quero estar tremendo um dia, numa estrada de neve,
quero saber quem é quem nesse dia, por essa estrada,
e, sabendo quem é quem, quero tremer de medo, pensar:
“vergonha por tudo que pensei ter feito”, e sentar,
tocar uma bela punheta no meio do mato e sorrir
com os mesmos velhos dentes dos quais um dia disseram:
“um belo sorriso, rapaz intrigante, a febre da raposa”,
e quero morrer fulminantemente neste dia, no meio da neve,
mas agora você me dá seus pés, você deita seus pés no meu colo
enquanto escuto Highway 61 e isso é tão bom quanto uma bravata,
mas talvez não tanto quanto esta porque, meu amor, eu farei.
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