5.3.10

"estudo sobre poema debulhado"

estou infectado de ti, as sobras do espírito
escorrem pelo mijo turvo, estou agora
te lendo, tua última mensagem antes de partir.
nunca entendi essa tua mania de escrever
em espanhol, imagino que seja algo que te dá
coragem de dizer, então faça, meu bem,
sempre, tua marca latina em minha pele.
mas não entendo parte do que dizes e isso,
talvez, facilite o amor: não entendermos parte
do que se diz, então amamos – não é assim?
chove à cântaros na minha montanha isolada,
faz um silêncio de pós-guerra e, mesmo as folhas
da mangueira choram encabuladas, assobiam
hinos fúnebres ao amor – vai demorar mesmo
muito para eu me desinfetar de ti, estou pensando
agora nisso, vou acender um cigarro e fingir
que tu virás do quarto onde dorme o samurai
aposentado, e tu virás com teu jeito sonolento
de gueixa tenebrosa, e tu encostarás a cabeça
no meu joelho dilacerado e pedirás mais calma.
não, meu amor, não vou contar a ninguém.
a distância que temos é só nossa: percorrerei
o deserto sozinho – ah, se morrer, que seja logo.
quero morrer completo da morte mais antiga.
sem espadas de dupla lâmina ou cordas preciosas,
desempenharei aquela morte que não se ensina,
aquela que não se cobra, e ninguém me entenderá,
como eu não entendo, muitas vezes teu movimento
hesitante de dois, três corpos num só que se mexe
com cuidado e, além de tudo, teu espanhol.
estou infectado de ti, e não quero ajuda –
está aí a doença mais sublime que jamais
alguém compartilhou, e que é nossa muito mais
do que a distância que nos move adiante em rugas,
garras e saltos circenses, sobre as pústulas eternas.