Sou este senhor, fumando cachimbo, de terno e gravata, vestido de verde, que acaba de chegar em Paris, em 1886, um pouco convencional, posando diante de um fundo escuro. Convencional? Vocês não olharam bem: vejam como no marrom das sombras escorregam, em volta de meu rosto, na minha orelha, pinceladas vermelhas cor de brasa, cor da pequena brasa, do meu bigode, que os tons sombrios não conseguem conter. Vejam como o lado esquerdo do meu rosto é banhado por uma luz amarela que o pincel um pouco frenético fez subir pelo nariz, sobrancelhas, testa; como são chamas meus cabelos; como pareço estar recebendo os reflexos de um incêndio. E como, neste retrato feito de escuro e de fogo, meus olhos, dois carvões extintos, olham inquisidores para você.
do livro "Vincent Van Gogh - A Noite Estrelada" (Ed. Perspectiva, 2006), de Jorge Coli.
3 comentários:
Eu, com minha infinita experiência em auto-retratismo jamais cumprida, compartilharei um segredo: Não há mistério, não há mistério algum. Isto é apenas um auto-retratista tenso a pintar uma verdade absoluta. Engraçado. Cômico, se apenas assumisse a ambição.
E os olhos não olham pra lugar algum. Olham pra lente do Calvin Klein.
A propósito de Van Gogh, que história triste. Queria "uma vida em que a arte predominasse", como disse dele Henry Miller. Conseguiu- a duras penas.
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