17.2.09

"vinte e sete"

hoje estou tão distante
do meu próprio nascimento quanto
estou distante do meu pai,
que tinha a minha idade
quando eu nasci.

e nunca estivemos tão longe.

é a era de aquário, eles dizem,
e eu fico satisfeito, nadando
sozinho no meu próprio vidro.

mas o que faz dois distantes,
creio não ser a falta de amor,
mas talvez uma escassez por dentro,
alma vendada diante do penhasco,
que move a parte aventurada do espírito,
cachorro Buck voltando a galope
da expedição que lhe rendeu essa distância
(essa tamanha juventude violentada no chicote),
arrastando sozinho o trenó e outros cães mortos,
que pesam e talvez seja porque a morte
é um perder peso que pesa tanto
sobre os que sobram, sempre os de ternura truculenta,
envergonhados do choro que não é emoção contida,
é um espaço feito faca entre corpos de ferro,
é isso que permanece e que não compreendemos,
talvez um desperdício demasiado de vontade cega,
um não saber reter a vida como fonte interminável,
uma coragem literária que murcha na fila do banco,
no lançamento de poetas iconoclastas e com bafo,
no pasto com vacas como as dos potes de requeijão,
no amor, na percepção nítida de que algo em nós
está se afastando, se escondendo para depois voltar
talvez com força, provavelmente em hora inesperada,
quem sabe quando pensarmos outra vez dois juntos,
a carne remota, as políticas que já não interferem:
acho que isso é o que torna as pessoas distantes.

esse estado de se estar de algum modo flutuando,
esbarrando na realidade como algo inverossímil
e ao mesmo tempo prático demais – ah meu pai! –
e você estaria daqui a pouco esperando, como eu,
pelo desconhecido que viria de um ventre ameríndio,
com cara de chinês, quatro quilos e oitocentos gramas,
e apenas aquilo seria a nossa cruz: aquele peso todo.

5 comentários:

Anônimo disse...

ah, leo, meu deus.... que coisa linda. às vezes tem esse espaço que a gente não consegue preencher com nada, nem com o vazio, ou sei lá. mas achei que você nomeou muito bem, sem nenhuma pretensão,a té chorei um pouquinho. essa primeira estrofe é linda, linda demais.


(e às vezes tbm não é falta de amor, é amor demais)

Anônimo disse...

quero um cachorro chamado Buck

Anônimo disse...

...vazios, sempre eles. Principalmente aos domingos que muitas vezes podem acontecer mais de uma vez por semana.
Vc me surpreende a cada dia. Acho um pouco estranho achar bonita a dor de alguém. Mas a poesia quase sempre faz isso com a gente.

douglas D. disse...

falas de um peso
que existe em mim

Lola Davi disse...

Em nós.
Adorei.
Bjo