19.6.08

"malditos russos"

NÃO MENTIR A SI MESMO
Lembre-se de que os escritores ditos imortais ou simplismente bons e que nos deixam inebriados têm em comum um traço muito importante: para onde quer que se dirijam, eles o convidam a acompanhá-los e você sente não com a razão, mas com todo o seu ser, que possuem algum objetivo, como a sombra do pai de Hamlet, a qual aparecia não por acaso e perturbava a imaginação. Alguns, dependendo do próprio calibre, perseguem objetivos mais imediatos: a servidão, a libertação da pátria, a política, a beleza ou simplesmente a vodca, como é o caso de Denis Davýdov; outros têm objetivos remotos: Deus, a vida depois da morte, o bem da humanidade etc. Os melhores dentre eles são realistas e retratam a vida como ela é, mas, pelo fato, de cada linha estra impregnada, como se fora de um suco, da consciência do objetivo, você, além da vida como é, também sente como ela deveria ser, e é isso que o cativa.

E nós? Nós! Nós representamos a vida como ela é, e ponto final... Além disso não vamos nem a chicotada. Não temos objetivos imediatos nem remotos, e em nossa alma não há nada de nada. Não temos concepção política, não acreditamos na revolução, não temos um Deus, não temos medo de assombração, e, quanto a mim, nem mesmo a morte e a cegueira eu temo. Quem nada quer, nada espera e nada teme não pode ser artista. Seja isso doença ou não, pouco importa, mas deve-se reconhecer que a nossa situação não é das melhores. Não sei o que será de nós daqui a dez, vinte anos; talvez, até lá as circunstâncias tenham mudado, mas por enquanto seria leviandade esperar de nós algo que realmente preste, pouco importando se temos talento ou não. Escrevemos feito máquinas, submetendo-nos à ordem de há muito estabelecida, segundo a qual uns são funcionários, outros comerciantes, outros ainda são escritores... Você e Grigoróvitch acham que sou inteligente. Sim, sou inteligente pelo menos a ponto de não ocultar de mim mesmo a minha doença e de não mentir a mim mesmo e esconder o meu vazio com os farrapos alheios.

Anton Tchékhov em carta a Aleksei Suvórin, Miélikhovo, 25 de novembro de 1892.
LÍNGUA DE BUROCRATAS
“Outrossim” e “em conformidade com” são invenções dos burocratas. Leio e tenho engulho. Os jovens, particularmente, escrevem muito mal. São obscuros, frios e deselegantes; os filhos da puta escrevem como se estivessem mortos e enterrados.

Anton Tchékhov em carta a Aleksei Suvórin, Miélikhovo, 24 de agosto de 1893.

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