Sento-me de mãos vazias. Passo uma na outra. Continuam vazias. Olho para elas. Pasmo, passo uma na outra. Nada acontece. Aparentemente nada. Mas o que ainda podemos ver nas aparências? Levanto, sento, vou até a janela em passo acelerado, esperando ser de algum modo surpreendido. Faz um barulho surdo lá fora, constante, por dentro da terra. Sobre a terra nenhum carro, dilúvio, onça pintada. Volto a sentar-me. Essa frase ficaria bem melhor em Tchekhov. De qualquer maneira, ali estou, um rapazinho de estrutura média para baixa, ascendência quiçá siciliana, na língua das ruas conhecido como atarracado, muitas idéias sobre questão nenhuma, mas existe ternura, existe o apoio na terceira haste, existe a pérola submersa revestida em lodo. Há que se perder a respiração em apnéia. A que se nadar bem ao fundo até perder a consciência. Até afundar placidamente, deslizar como deus na superfície intacta, deslizar como Carlos. Formigas voadoras de repente invadem o quarto. Existe harmonia e destruição entre elas. Me pergunto por que não conseguimos. Tenho ganas de escrever. Isso ficaria talvez bom em Hemingway. É tarde demais, mas parece que em algum lugar ulterior as coisas ainda estão em choque e tudo está em aberto. De novo à janela. É inútil. As formigas voadoras desistem e partem. O desprezo das formigas voadoras é irrevogável. Sim, há em cada um de nós esse tempo longínquo, um futuro raso que quase podemos tocar. Ele se aproxima de nós nas noites não tão frias, nas quais os corações enregelados perdem seus álibis. As cadeiras, o pó sobre a escrivaninha, o antigo sapo de pelúcia, tudo está ali há milênios insondáveis, me observando mineralmente enquanto muda de forma. Os olhos cheios de areia. Dormir já não se pode. Isso daria um péssimo Beckett. Pego o lápis, encaro o papel. O papel é muito grande e minhas mãos doem.
18.2.08
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