Aquilo que nos impele. Somos as palavras difíceis no fim de frases vagas. Somos aquilo que deu errado em nós. É preciso disso para se continuar vivendo. Saber ser o que se é, mesmo sabendo que aquilo que se é não passa do que somos e não deveríamos ter sido. Pobres os que são o que sempre quiseram ser. Estão mortos, os mortos sorriem constantemente, os mortos contam trajetórias. Porque morte é alívio. Morte é, por assim dizer, o início da vida contemplativa a que tanto aspiram hipócritas e gênios, um o tipo mais avançado do outro. Mas viver sangra. O sangue são pedaços de carne lambidos pela alma. Por isso o sangue é amor, sacrifício e, finalmente, despedida. Sobre o que deu certo nós apenas falamos. E fazemos em silêncio o desesperado jogo de tecer pedras com os próprios dedos.
Por exemplo, eu certamente sei que não deveria continuar a escrever este texto. Primeiro sei que o motivo pelo qual comecei a escrevê-lo já não é mais o meu motivo. É o de outra pessoa, outro qualquer coisa, através de mim. Não a noção rimbaudiana de “outro”, mercador de escravos e dinheiro ilícito, purificador de almas por não ser bom nem mau, por não precisar. Estou falando de um outro tipo de matemática. Aquela matemática que acontece enquanto pensamos que sabemos exatamente o que dizer. Como há dois minutos quando comecei aqui. Aquilo que reelege um presidente inapto, o que faz um filho nascer acéfalo apesar do imenso amor entre os copuladores. Aquilo que bebem os que promovem os acordos de paz. O que cala fundo o messias diante do próprio discurso, um pouco do que escorre pela boca do fraudador sobre a indiferença da beleza original.
De fato algo tão complicado que é quase um crime continuar com isso. Muitos sabem exatamente o que dizer. Deveriam morrer fuzilados ou ser de uma vez canonizados para virarem praça pública. Mas eles não sabem disso. Nós sabemos, nós os incompletos. Nós que vivemos querendo dizer algo e sabemos que não seria possível continuar. Nós que emprestamos livros com a desesperada função de marcar território. Nós os do eterno holocausto, os das canelas rachadas que carregam tonéis até a boca com o excremento dos que recebem medalhas – seus caixões feitos de madeira nobre. Nós que falamos por entre dentes coisas que não ouviriam nem mesmo se gritássemos. E nós não ouviríamos. Nós os ridículos falsificadores de suspiros, baseados na constante variável entre o mais absurdo mecanicismo maquiavélico e o absoluto respeito pelo temperamento explosivo das difíceis palavras no fim das frases impelidas.
Preciso terminar de uma vez sem tocar em nada. Não há mais tempo para aliterações. É preciso dizer a quem quiser ouvir que não temos outra vez a menor idéia, que tudo é um ciclo que se repete num eterno passado. É preciso fazer isso para conservar o tutano dos desejos mais secretos. Esses criminalizados. Os duvidosos que seguem reto. Os entrevados que jamais gritam. Os que esperam lhes abrirem as portas com sorrisos e sem perguntas. Os passíveis de caramujo. Os que se mantém puros em todas as extensões de suas vidas. Os encatarrados de nariz seco, mãos imundas e unhas sujas, quebradiças. Os que seguem apanhando e nunca reclamam de nada. Estão tristes, mas nunca derrotados. Eles são o que hoje as hienas chamam petróleo. Os aniquilados sem direito voltarão milhões de vezes e o rei estará preso em madeira de lei, ainda apodrecendo. Voltarão os de quem não se pode esperar nada que não seja esperar qualquer coisa e como isso é bom.
Por exemplo, eu certamente sei que não deveria continuar a escrever este texto. Primeiro sei que o motivo pelo qual comecei a escrevê-lo já não é mais o meu motivo. É o de outra pessoa, outro qualquer coisa, através de mim. Não a noção rimbaudiana de “outro”, mercador de escravos e dinheiro ilícito, purificador de almas por não ser bom nem mau, por não precisar. Estou falando de um outro tipo de matemática. Aquela matemática que acontece enquanto pensamos que sabemos exatamente o que dizer. Como há dois minutos quando comecei aqui. Aquilo que reelege um presidente inapto, o que faz um filho nascer acéfalo apesar do imenso amor entre os copuladores. Aquilo que bebem os que promovem os acordos de paz. O que cala fundo o messias diante do próprio discurso, um pouco do que escorre pela boca do fraudador sobre a indiferença da beleza original.
De fato algo tão complicado que é quase um crime continuar com isso. Muitos sabem exatamente o que dizer. Deveriam morrer fuzilados ou ser de uma vez canonizados para virarem praça pública. Mas eles não sabem disso. Nós sabemos, nós os incompletos. Nós que vivemos querendo dizer algo e sabemos que não seria possível continuar. Nós que emprestamos livros com a desesperada função de marcar território. Nós os do eterno holocausto, os das canelas rachadas que carregam tonéis até a boca com o excremento dos que recebem medalhas – seus caixões feitos de madeira nobre. Nós que falamos por entre dentes coisas que não ouviriam nem mesmo se gritássemos. E nós não ouviríamos. Nós os ridículos falsificadores de suspiros, baseados na constante variável entre o mais absurdo mecanicismo maquiavélico e o absoluto respeito pelo temperamento explosivo das difíceis palavras no fim das frases impelidas.
Preciso terminar de uma vez sem tocar em nada. Não há mais tempo para aliterações. É preciso dizer a quem quiser ouvir que não temos outra vez a menor idéia, que tudo é um ciclo que se repete num eterno passado. É preciso fazer isso para conservar o tutano dos desejos mais secretos. Esses criminalizados. Os duvidosos que seguem reto. Os entrevados que jamais gritam. Os que esperam lhes abrirem as portas com sorrisos e sem perguntas. Os passíveis de caramujo. Os que se mantém puros em todas as extensões de suas vidas. Os encatarrados de nariz seco, mãos imundas e unhas sujas, quebradiças. Os que seguem apanhando e nunca reclamam de nada. Estão tristes, mas nunca derrotados. Eles são o que hoje as hienas chamam petróleo. Os aniquilados sem direito voltarão milhões de vezes e o rei estará preso em madeira de lei, ainda apodrecendo. Voltarão os de quem não se pode esperar nada que não seja esperar qualquer coisa e como isso é bom.
Mas na verdade não é bom e preciso parar imediatamente. Não deveria nem mesmo ter começado. O que nos impele não escolhe sentido, por isso não adianta se lamentar. Melhor não fazer, melhor adotar uma religião, um bom plano de saúde, um amor caridoso que nos encante pelo seu cálido charme vazio de sentido. Estamos no meio das multidões, dos pântanos concretos de ferro e carne e barulho, estamos nas canecas cheias e nos corações enregelados. Estamos sozinhos e não sabemos para onde ir. Nós os crentes na beleza, os idiotas inveterados, os que apenas balbuciam na imensidão de verdades desconhecidas. Fazemos a volta e nos calamos. Olhamos ao redor, fraquejamos, pensamos em preces, andamos mais rápido. Muitos pararam, perguntaram: “Para onde?”. Todos morreram. É preciso disso tudo porque não deveríamos continuar, dar o passo no escuro. Pular no imprevisível que, obviamente, também já foi santificado pelos corajosos com mil olhos. Mas alguém, às vezes, precisa cometer o crime.
2 comentários:
"...porque,às vezes, de uma vida inteira, o que se salva é apenas o erro."
clarisse
clarisse, quem é vc?
beijos, bonita frase...
Leo.
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