31.10.07

"devaneios à vespera de um encontro"

empato comigo mesmo quando quero vencer a marcha simples do afeto e minha raiva, por mais que sim, não, não cabe, não sou grande o suficiente para morder lábios que não sejam imaginário sangue, e para encarar a própria faringe minha carcaça se apega fácil demais e odeia rádio que se ouve só, e, como Mozart, queria sair por aí perguntando “você gosta de mim?” e poder chorar por uma réplica negativa ou ter uma crise convulsiva se alguém tocasse uma nota de trompete, mas tudo supera a delicadeza e por isso só malucas se aproximam de mim do mim que não é meu, infelizmente, mas gostaria de dizer, ainda assim, para impressionar minha própria fragilidade: “dos trinta filmes que realizei...”, “de fato, dos 15 contos de minha última antologia...”, ou bocas em dúvida por causa de avenidas mudas, tortas, ou espertas demais, ou bichas sérias, o que não me ajuda muito na relação entre o que eu quero e aquilo que eu tenho na minha frente, sem saber no fundo do fato, de fato, que se passa na minha cabeça – isso é apenas uma cabeça? – quanto mais daquela menina com uma rosa falsa presa na orelha, que sorri ainda menos do que eu, e eu a amo, mais porque gosto da palavra que do significado que, burramente, ninguém soube definir assim como se define uma parede branca, sem saber que talvez o amor que já soa ridículo assim quando eu escrevo seja apenas uma parede branca e a mosca morta petrificada na parede branca que eu posso chamar de amor seja eu sem saber que você também tem sua parede, mais falta de amor do que amor em si, já que é tão fácil falar de amor, como se vê aqui.

não que eu goste. mas não também que eu use roupa preta e cabelo com goma, saiba usar a pelve ou camisa de botão aberta florida com cinto de couro, ou um espeto cromado fincado no queixo, ou que dance e abrace todo mundo como se fosse um pretexto para morrer. não consigo extremar sentimentos, respeito seu ritmo ausente de mim. A menos que caia na grama para ser carregado por um senhor barrigudo que parece com o pai que inventei agora e já me tapeou com um sorrisinho sórdido: o que nunca aconteceu e seria meu sonho.

fora o sonho, minha vontade sempre foi beijar uma mulher mais pesada do que eu. ninguém entende isso por isso eu não explico isso, mas é um tipo diferente de enigma sensual. somos iguais no que me diz respeito e nos difere: no caso a dor de ser gordinho. minha cabeça é gorda, sobra gula. pego nas banhas dela como sonhasse com meu próprio desfecho sorridente.

será que sou infeliz? palavras.

se todos bocejam, não me venham falar de chatice. falemos então sobre vaidade.

eu diria: a vaidade é apenas aquilo que se desprende de ti quando você está pensando em outra coisa que você pensa que é a maneira como as pessoas te vêem mas é de fato apenas você mesmo vendo, mas prefiro dizer: “fique aqui”. você diria: “nem pensar”. eu diria então: “você tem uma bela irmã mais nova” ou “como você vai?” você me estapearia. Carlos Drummond responderia: “mal, obrigado, minha irmã é careca”. e diríamos todos “te odeio”. como é estranho e rápido conhecer uma pessoa quando você já inventou ela (seria horrível ter que escrever corretamente aqui) desde o começo.

eu minto
que não consigo
dizer o que sinto
mas sinto
que não consigo
dizer o que minto.

não sei terminar essa
e para dizer a verdade
estou nervoso como o diabo
porque ela me espera
debaixo da marquise
e eu não sei onde estou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Escreveria 'uau', mas você detesta. Falaria 'muito bom', mas eu detesto. Então, não digo nada e te dou um beijo.