27.5.07

"Matinal"

Maldição! O dia desponta bonito: chance de chuva e muito vento. Um terror gris no ar, cães em coro lento, ladrões de casaco em frente a fogueiras feitas com óleo velho, próstatas que levam amídalas para passear na praia imunda mas ainda paisagística, tudo lindo, tudo ótimo, tudo bossa nova, um dia de descanso, descanso do quê? – descanso disso. Um dia de sono, de sono alcoólatra, de sono que acorda, um dia de olhos acordados no corpo antigo, purulento, marcas que não irritam e pelas quais tenho até certo apreço. As gaivotas são tão bonitas, parecem setas no horizonte. As garças são gatos marítimos, e perto delas sinto vergonha. Mas temos ainda os jovens antigos e os vizinhos abelhudos: não se preocupe, descanso. Descanso de quê? Esqueço.

Maldição! Não deveria ter aberto o jornal, não deveria ter olhado para o céu como fosse presságio, não deveria ter entortado as patas da andorinha. Mas olhei como se fosse, sobraram apenas penas repartidas. Olhei para nós dois na reflexão da poça feita da água do esgoto dos ricos. Só poderia dar nisso: o colunista social que cobra mais de cem mil por uma palestra para jovens escolásticos ou presidentes de grandes corporações, grandes como seus carros, seus iates, suas máquinas de sexo, inversamente proporcionais ao seu desejo, para homens enrolados em gravatas que mascam chicletes, o colunista que freqüenta o clube da cocaína vendida em pernis de porco entre pizzas de berinjela, ele mesmo disse que eu sou um hipócrita, hoje, no jornal, que sou indiferente – e ele tem razão. Coisa que eu não, por isso fui ler meu horóscopo, que dizia: vá trabalhar!

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