não sabemos mais plantar nossos mistérios, mas estamos confiantes diante do buraco negro a pensar caminhos – de repente somos atalho.
sim, de mãos vazias, de mãos dadas vamos, cada um com seu planeta, sim, de olhos abertos seguimos rumo ao peito dissonante, sim, múltiplos, ocultados delicadamente pelos abismos da ilusão doce, tudo muito rápido: maquinaria de trombetas ensandecidas e estamos lá - estamos enganados?
sim, estamos muito perto de repente, e longe de tudo, longe do resto, do deus que nos criaram e que nos recrimina, longe das cascas de pão largadas em trilhas sombrias - longe demais?
estamos juntos – e só isso nos importa? – somos juntos o desnudamento das horas, a unificação do âmago, somos juntos o que se chamou ingenuidade, ao se desdenhar da origem de cada sentimento. ardemos juntos pela dor da comunhão, estamos sós, de repente frios, como quando um cometa de gelo se aproxima e sua cauda convulsa corta a nuca, então caímos para trás extasiados, mortos e vazios, repletos, e de olhos abertos sorrimos, pela primeira vez os olhos procuram a continuação do branco, nas portas dos edifícios, nos milagres dos santos, no leite coalhado da azia, na poeira sobre a vitrola antiga, no teto chumbado com gaiolas de mármore, que dançam ao sabor do vento da eternidade.
procuramos o branco fugaz desesperadamente, logo após as trombetas do segundo silêncio, e de repente o silêncio se transforma em nuvens carregadas sobre uma taça coberta de limo, e tateamos nossos pedaços – ainda vazios – no escuro dessa intimidade que nos devora, e nos concebe sem meias-verdades, nas tardes em que lambemos nossas feridas com o carinho do que também fomos capazes de assassinar.
você dorme, você falece por trás das cores confusas da tarde – é tarde? não há cedo ou tarde e você já conhece toda essa conversa melosa: nós conhecemos bem.
pulamos, portanto, os arquétipos de uma ternura endurecida. pulamos o sentimentalismo novelesco dos umbrais de aço que se fecham. pulamos páginas como quem anseia pelo adiamento da ansiedade. agimos conforme o vento no lado de dentro de um quarto vazio fechado.
escondemos nossos esconderijos com esfinges e fogos de artifício. mas quem poderá nos culpar pela entrega desmedida, quando a curva do silêncio atingir em cheio os olhos da escuridão?
não posso dormir sem você e você (como Shakespeare desaprovaria) esparrama sobre mim sua desesperança, que tanto me consome e que me fascina, e de repente some, sumimos e somos este vão: esta cor inconcebível de nós dois alados.
as algemas são colares e os desafios sem recompensa. delicadamente pulamos o que daria até um bom poema. carinho de hálito, seu braço cai sobre meu ombro, e isso, depois do furacão do corpo, com a alma enregelada, parece tão inconcebível e tolo, mais parecido com um sonho – um noturno de Erik Satie.
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