26.8.06

“dois acontecimentos sem a menor importância”

vi hoje nas mãos de um cadáver
– duras, secas e compridas –
no lugar das unhas cascas de árvore
no lugar dos olhos estrelas suicidas.

retiravam o cadáver numa maca
sob a fachada de uma lavanderia
duas gárgulas peladas de prata
em meio ao muxoxo úmido das tias.

depois vi uma mulher velha e cansada
apesar da pouca idade dos seus poemas
tal qual uma azaléia muda na sacada
ao lado da placa onde se lia: “vende-se”.

ela esmagava um terço com os dedos
enquanto com os olhos do tempo
observava crianças brincarem de briga
no terraço vazio do esquecimento.

os dois fatos aconteceram no mesmo dia
de um lado o fim, do outro o início da vida.
e eu sem saber dizer a que tempo pertenço.

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