15.6.06

"um quarto menos eu"

um quarto...
e dentro do quarto estão:

um apito estilhaçado de lamento
os cílios tranqüilos das cortinas
a sombra envenenada do desejo

o susto acocorado de um anjo
no armário duas asas postiças
um copo cheio de percevejos

a solidão perplexa dos ladrilhos
um coração inflado de segredos

um par de meias não muito limpas
esperando em vão pelos teus pés

almofadas encharcadas de anfetamina
e o urro do câncer no suor da mulher

o cadáver de um polvo sobre a cama
o chão de madeira datilografado por
dedos invisíveis que amam em silêncio

páginas incompletas cheias de olhos
mofo por dentro dos uivos da estante
asas de borboleta dentro de uma caixa

a sobra sonora de um beijo ambulante
fotos esquecidas em manchas de vinho

sonhos mantidos na ponta de uma faca
sangue coagulado na pele da esperança

uma poltrona como nos filmes antigos
a mecha negra do carinho assassinado

fundo na cama, ao lado do polvo: um estupro
reservado para um ponto vermelho no escuro
e a silhueta da cigarrilha na boca de uma puta

o pedido ignorado pela janela ao mar mendigo
dez dragões amarelados renegados pelo vento

cinco anos num minuto derrubado de bruços
como se fosse um canalha italiano de cimento

e por fim... pouco depois do sono profundo...
paredes confusas espancadas pelos murros
do muro veludo divisor da crise em fatias

paredes traumatizadas, sem quadros, encardidas
paredes fiéis, sonâmbulas, necessitadas, amigas.

no quarto tudo é muito nítido
menos eu...

4 comentários:

Anônimo disse...

ficou de porre!

leonardo marona disse...

quem é vc para saber?

Garota do outro lado da rua disse...

disso eu entendo: falta de nitidez

Anônimo disse...

ei poeta...
eu sou eu, mais umas garrafas de vinho, mais...
uma sombra envenenada de um desejo latente,
um coração massacrado de desejos,
dois pés gelados querendo um par de meias não muito limpas,
mãos cheias de dedos invisíveis que também amam em silêncio,
dois dedos direitos precisando de um único esquerdo,
a sombra sonora de um beijo flutuante e o sangue pulsando... pulsando... não quer coagular, nessa pele tão cheia de esperança...