22.5.06

"continue procurando”

não está nas salas de aula, ou nos bares de arredores. não está no bolso do poeta, ou na outra cor do camaleão. não está nas bochechas vermelhas, ou na vergonha do beijo traído pelas varejeiras da paixão. não está nas luzes do sucesso imediato – inanimado – anonimato, ou na vala do esquecimento saudável por pontos de audiência.

não está em gravatas coloridas sob encomenda, ou em calças milimetricamente rasgadas para quem quiser acreditar em fadas, feitas com trapos do que sobrou da bandeira. não está nos salões lotados de dança e fumaça e morte cronometrada em sorrisos felizes mais fáceis do que admitir, ou na azeitona no copo de martini seco do velho e pobre cantor de tango que esqueceu a dentadura em casa mas continua mais elegante do que você e eu.

não está no mais novo gênio do último momento que passou e terminou sem que ele mesmo soubesse, porque nunca soube de fato, muito preocupado com o corte de cabelo de sua mais nova criação. não está nos versos sobre ondas preguiçosas, ou no pôr-do-sol assassinado pelo frio de uma rosa morta.

não está na mala do carteiro simpático e triste, ou no mesmo antigo caos do dia seguinte. não está nas listas telefônicas, ou nos dedos entre os cabelos embaraçados que assim ficam menos românticos do que se suporia se antes de amar fosse possível entender. não está nos direitos humanos, ou à esquerda do contratempo. não está na velha vestida em listras na frente do restaurante chinês, ou no camarada com sorriso canastra que traça a puta da novela das seis.

não está na bússola do náufrago atacado pelo escorbuto, ou na próstata do câncer letrado em dedos falsos no queixo diante de uma pintura social. não está nos hinos dos patriotas, tampouco nos cânticos ecumênicos sob as saias eretas dos sodomitas de alma pelada que não tiveram infância e por isso precisam fodê-la enquanto choram de culpa. não está nas orgias auto-afirmativas em gritos transgressores de sereno desespero, ou nas serestas mudas sob a chuva ácida.

não está no sujeito sem futuro com o rádio de pilha na orelha surda, ou no que diz o rádio sob a forma de ondas paralíticas, para quem pensa que tem um futuro – e ele passou enquanto se pensava sobre. não está na luta das classes pelo buraco maior, ou nas desavenças embriagadas pelo ego menor. não está em hierarquias que estabelecem cicatrizes nos rostos sujos de lama, ou nos frutos podres feitos de papel timbrado na gaveta de uma repartição superfaturada.

não está na gaivota cansada que mergulhou fundo e não encontrou o peixe, ou no peixe que fugiu da gaivota cansada e foi engolido por um tubarão. não está na menina com mau hálito que me olha e não gosta do que vê, ou na outra de cintura abaloada que diz à amiga que detesta comida japonesa – pelo que a amo.

não está na menina de dentes separados que lê meus papéis e pede um sexo rápido – pelo que a amo e descubro o quão simples é amar, sem que ela saiba no entanto como, muito menos eu, sem que ela esteja aqui de fato, simplesmente porque amar pode ser fácil, mas tente fazê-lo fato e você vai ver uma coisa.

é um exercício saudável, depois de todas as bebedeiras, de todas as mortes instantâneas pela cruz do tempo, das amarguras escondidas por trás de sorrisos amarelados na fila do caixa rápido, dos corações ainda quentes abandonados sob a chuva forte, das razões perdidas em minutos de vida pura, que te matam, porque assim manda o estado de direito, é importante, depois de toda beleza que se esvaiu em lágrimas, perguntar a si mesmo onde não está.

e quando te disserem – achei! não se assuste nem se afugente. apenas sorria e ignore. não está ali também. mas um pouco de delicadeza nunca é desprezível quando se pode matar com as próprias mãos.

e então, talvez um dia, quem sabe hoje, quem sabe agora, enquanto lá fora voa um passarinho na direção do predador, ou no dia em que, honestamente, soubermos identificar todos os lugares onde não está, saberemos por fim o que procurar.

6 comentários:

Anônimo disse...

gostei muito apesar de ser extremamente angustiante ser jogado nessa espécie de negação máxima de tudo. talvez seja porque eu pensaria: está lá, está lá, está lá, e lá, e lá etc... até que um dia realmente estaria lá (seja o que for deve estar lá). ou não estaria e tudo bem. no fundo "não está lá" e "está lá" são muito parecidos. são pequenas variações que o diferenciam.

leonardo marona disse...

vc sabe das coisas, meu velho. quero tomar um porre contigo no frio de lá de baixo qualquer dia. apenas vinhos baratos, por uma ressaca fraterna.

não importa se está ou não está. o que importa é a procura nos lugares vivos.

beijo grande.

Garota do outro lado da rua disse...

Nossa!!!!


aquelas horas em que não é preciso dizer mais nada.

Anônimo disse...

MUITO BOM!!! Amei.
Um beijo pra ti.

Anônimo disse...

Propriedade boa é essa! Rsrsrs ...

Anônimo disse...

querido Leo, linda a sua busca. bjinho pra vc