8.4.06

"bêbado romântico olhando a parede no fim da festa"

Este texto escrito em papel sujo não diz respeito a ninguém, a não ser a mim e a um cavalo branco.

Morremos juntos, um ao lado do outro, estávamos num abismo, eu pensava em pular para ver o verde como Monet, ele relinchava em protesto.

De uma vez só fiquei tonto, vi uma nuvem no formato do espirro, boca cheia de dentes que cospe pequenos azuis cristalizados, as gramas com fome de narinas se entendiam com meus pêlos, e as formigas são suas escravas vermelhas, escanhoavam minha pele por dentro.

Cavalo que vi uma vez cruzando no pasto, quando era muito pequeno, e percebi que eu jamais poderia fazer com aquela égua como ele faria a uma mulher, o que me entristeceu para sempre, por trás de sorrisos cordiais e porres amarelos.

Cavalo, a culpa é minha, você era meu cavalo, eu lhe devia cuidados, responsabilidade, fui eu quem não te avisei. Tenho pedido conselhos a Mozart e a Piazzolla, mas os dois parecem bêbados. Ficam fazendo caretas. Estou sóbrio faz uma semana, esperando um telefonema, que não posso atender, mas fico ao lado da cômoda mesmo assim. Desenvolvi mamas.

Não foi um homem que arrancava som do vácuo que uma vez disse que poesia é quando você percebe que não possui nada? Pois então. Virei poeta. Eu sei que é um fim triste, meu nobre amigo, meu elo de cascos com o caos, mas eu sei muito bem o que sinto agora, enquanto imagino esse lugar, que não é nenhum lugar, perto de lugar nenhum, mas onde posso falar contigo e comigo mesmo, com toda vontade gritar livremente e desarmado, o que me abre o universo, nesse lugar onde não existe cor porque tudo é de todas as cores, meu templo líquido que termina em ouro nas minhas tripas. Ao mesmo tempo, ainda posso ver tuas tripas azuladas enroscadas no teu ventre, posso ver a montanha pedregosa gargalhando nos meus calcanhares, tuas costas vazias tremidas de crinas, o relincho da tua bondade, seguido do relincho do teu último desespero. Vi bem teus olhos, como os vejo também agora.

Só não entendo o que este senhor quer sobre teu lombo despedaçado. Muito distinto senhor, não nego, armadura, capacete, mas, na mesma medida, muito petulante por lhe montar o dorso desta forma tão autoritária. Ficam aqui as reclamações do gramado, que certamente me defende.
(...)
Obrigado, senhora... Café excelente. A senhora sabe onde passa um ônibus? Passar bem senhora. Bela casa.

Um comentário:

natércia pontes disse...

FODA leo. que texto lindo da porra. lindo. caralho. dá vontade de falar todos os palavrões do mundo. beijo