hoje, saindo do analista,
cometi o que a cruzadinha,
no glossário de palavras difíceis,
denomina devorismo:
"uma despesa injustificada e excessiva".
ao ter a surpresa de que economizaria
25 reais no analista
e ainda conseguiria
um texto do Freud chamado "Sobre a Transitoriedade",
resultado de uma conversa do velho charuto
com um jovem e melancólico Rainer Maria,
fiquei feliz repentinamente, como uma tia,
ali eu sabia a verdade,
ali eu me enganavae ainda ria.
então entrei numa livraria moderna de muita vitrine
- doeu ver livros expostos como aparelhos de ar condicionado -
deslizei por dentro das gôndolas de um Burroughs todo cagado
com as mãos ensangüentadas e as ampolas vazias
presas nos seus anjos decaídos sem veias ou pupilas.
passei por Iessiênin estendido num divã do Hotel Inglaterra,
Leningrado,
sem bebida,
pagando o pato,
o rosto desfigurado,
a roupa em farrapos,
suspensórios frouxos, calças puídas,
uma das mãos para baixo e outra cobrindo as feridas,
nos olhos mais nada, isso em 1925,
com a carta do seu corpo sagrado ao lado como justificativa
e toda a dor de um sonho sobre suas sobrancelhas retorcidas.
passei no meio por entre a Bleecker e a Terceira,
onde vi Simon e Dylan,
sentindo o frio do mundo na barriga e olhando para as estrelas,
onde se podia ouvir ronronar os estômagos vazios na luz do dia,
as moedas dos vagabundos nas suas canecas,
algumas pequenas mas afiadas surpresas,
quem sabe Dave Von Ronk dedilhando valsa com jazz numa Gibson,
numa época em que ou você caçava ou você era a presa.
economizei 25, gastei 70
em apenas duas pistas,
melhor, gastei 69 e 90.
talvez tenha sido isca,
talvez a recompensa.
próximos assuntos para o analista:
o devorismo suprime as pistas?
o mundo ainda faz diferença?
o passeio justifica a isca?
se não, que doença?
1.12.05
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