ei, homero! não sou mais menino.
não é justo que você
queira
parir meu destino.
você já fez a sua parte
me pondo no mundo,
que agora é meu dono, homero,
e nos seus planos não
estão você.
eu vi o sorriso das
crianças
quando elas te assassinaram,
depois cantaram aos
prantos
seu canto de enterro e
paz.
quando martha argerich encarna
chopin
ou gary peacock toca
com seu trio de jazz,
mais precisamente com jarrett
e dejohnette
(pegando apenas dois
exemplos en passant)
perceba, homero: ambos
fecham os olhos
e abrem um sorriso curto,
infinito; é ali
que você morre e nós
passamos a viver.
amar é também matar,
mas isso aqui
não entendemos; viemos
das tribos,
mas nos enfiaram um
corpo pedante
por cima da nossa
selvageria divina.
quando o gigante gentil
erasmo carlos
escreve que a proteção desprotege
e carinho demais faz
arrepender,
ele está arrancando seus
dentes do crânio
(me refiro aos dentes
de ouro de homero)
para que as crianças
façam dele um colar
bonito para enfrentar a
feiura do mundo
que, quanto mais
pensamos em você,
mais feio fica, mais
gente heroica mata,
mais gente bonita morre
ou se suicida.
porque o mundo depois
de você nunca
mais foi o mesmo e é muito
duro estar
sem você, papai; posso
te chamar assim?
seus heróis hoje são
milicianos obesos,
com pochetes cheias de
morte e medo,
porque eles também tem
medo, não são
heitor ou aquiles, nem
mesmo príamo.
mas um amontoado vazio de
menelaus
buscando vingar com
sangue a derrota
de perder a esposa para
um vagabundo.
mas o que dizer dos
frágeis, papai homero,
hoje alvo favorito dos
heróis deformados
em fantoches da
desvirilização empurrada
goela abaixo em homens
devotos do poder
– testosterônicos
jagunços reféns de eros?
dos frágeis espero o
sorriso assassino
que cortará com
delicadeza a sua pele
e observará suas veias
turcas pulsarem
cada vez mais
lentamente a rara beleza.
eles farão de você estandarte
de foice,
deles virá uma nova
beleza que não é
tua beleza mais, é
outra coisa distinta.
porque os frágeis não
sabem bater, papi,
eles não são musculosos
ou donos de si.
mas tem uma coisa que
eles fazem bem
e é por si uma
novidade: sabem apanhar.
além de tudo isso eles
apanham sorrindo.
seus heróis não são
capazes de gargalhar
nem mesmo quando
vencem, por isso dê
licença, pai, a toda
gente mutilada da sua
guerra que nos fez
sofrer até aqui a beleza
cínica nas mãos dos
pedantes que cantam
em seu favor, usurpando
a nossa beleza.
mas por ora a barra
ainda tá pesada, papi.
e quem tá na chuva, tem
que se molhar.