para os poemas curtos
e afiados,
como adaga que mata
os reis,
os reis,
apenas abra o livro
e deixe franzir o sobrolho
(anote: que linda
palavra
é a palavra sobrolho)
como se estivesse à
procura
de algo na ficha
catalográfica,
algo de muito estranho
na ficha catalográfica,
algo para um cliente louco
na ficha catalográfica.
não menos estranhamente
alguns poemas geniais
são mais curtos do que
uma ficha
catalográfica.
para os romances
aqueles
que começam muito bem
você os deve ler
fumando
do lado de fora da
livraria,
um cigarro atrás do
outro,
ou então deve ler tudo alto
sempre ao lado de
alguém
que não se perceba
cercado
como se estivesse
falando
com alguém de si
próprio:
acordei de sonhos
intranquilos.
hoje mamãe
é morta.
sou um homem
doente.
porque infinitas são as
possibilidades
de alguém sofrer muito
- assim como você sofre -
nos romances geniais.
as tragédias devem ser
lidas
aos brados frente a
todos os clientes
e inclusive
os convocando.
pode ser que pensem
que estás lendo outra
notícia de jornal
ou então
sobre o jogo do
mengão.
pois as tragédias, como
sabemos,
sempre passam despercebidas
e são o encanto
das massas.
é preciso pensar que
pode muito
bem
acontecer de demitirem
você
alegando justa causa ou
a boa e velha
vadiagem.
e com dignidade você responderá:
não há médico que não
goste
de
sangue
não há toureiro que não
durma
com o
touro
não há marinheiro que fuja
da miragem.
então longe da
livraria, perto da vida,
longe do negócio, dentro da literatura,
será sua vez de saber
que está vivo.