23.11.14

"sankara blues"





é apenas pela minha vaidade que escrevo estas linhas.
isso é mau para os meus méritos, mas é bom admitir.
é algo de bom admitir que não se alcancem os méritos.
pois acabo de retornar de um curso meditação no mato.
é algo incrível e muitas vezes eu me perguntava se era
eu mesmo andando com os braços para trás no mato
enquanto caminhava do refeitório à sala de meditação
olhando para o chão para não matar nenhuma formiga
ou se aquele rapaz era quem eu gostaria de me tornar,
um rapaz que não fuma e não bebe e não enlouquece.
nessas horas é um pouco difícil estar num curso assim.
porque você fica com a dúvida até mesmo se aquele
que gostaria de ser aquele outro, no meio do mato,
mãos para trás e sorriso no rosto, se é aquele mesmo
ou se ainda um outro, este sim, que talvez faça tudo,
mas que parece um pouco longe quando me apercebo
que voltarei a beber e a fumar e a enlouquecer ainda que
saiba a coisa certa a se fazer e aquele que gostaria de ser.
mas memórias não podem ser apenas as fotos tiradas
no fim do curso quando podemos outra vez falar e todos
de certa forma voltam à normalidade que é a tentativa
impossível de se limpar de todo mal de um mundo louco
e ao mesmo tempo é bonito que se tenha a quixotesca
avaliação absolutamente submersa de que é possível
ser mau, melhor a cada dia e que sou eu aqui de mãos
cruzadas andando no mato e sorrindo ou então aquele
que gostaria de ser aquele outro no mato, no entanto
bebe, fuma, acumula toxinas, enlouquece de paixão,
quando sabemos que a paixão é algo fundamental
para manter este mundo girando da forma como é,
como alunos bondosos tirando fotos depois do curso,
mas memórias não podem ser apenas as fotos tiradas,
a roda da vida deve passar sobre a marca da morte.
eu sou este que fuma, bebe, se alucina com drogas,
eu sou este que não fuma, come frutas, fica por horas
sentado observando a natureza da própria respiração
e pensando em como tem acumulado marcas mesmo
sabendo que não deveria acumular e talvez sabendo
como poderia fazer para não permanecer acumulando.
eu sou este que pensa que este não pode ser eu, apenas
alguém que outro que não eu gostaria de ter sido e digo:
é apenas pela minha vaidade que escrevo estas linhas.
isso é mau para os meus méritos, mas é bom admitir.