De
algum lugar virá uma flor magra e calma em sua insignificância tranquila e dela
se abrirá o sorriso que deixei de perseguir. Essa flor virá depois de uma longa
chuva, ela será a chance do deserto. Persigo agora fantasmas de cactos, que se
encontram brutalmente imbuídos de grandes causas. Mas a menor causa é a humana,
e preciso de uma flor calada que me diga isso, quando despontar no deserto, o
último deserto apontado com meu corpo. Esse corpo jovem e com nenhuma certeza,
que quer ser bom e é mau porque não sabe. As flores não sabem, quando saem do
chão, o que esperam, e mesmo assim ela virá, como um corpo cansado, um sorriso
de mil anos, uma volta lenta num parafuso enferrujado, transportando uma beleza
destorcida nos olhos queimados pelo sol da humanidade. Espero todos os dias,
enquanto olho e não vejo, por essa flor que renascerá em tempos mortos, cheios
de ação e gritos desesperados por direitos. Mas o direito é uma invenção do
homem. A natureza tem outros planos. A natureza tem o plano da flor e da enchente.
Espero na janela, triste e com dores no meu peito jovem, e tão gasto de mim e
de tudo. Espero de olhos fechados, que o deserto exploda na flor desguarnecida
que nascerá em terreno insólito, calando as bocas e abrindo uma cratera no
lugar onde fundei minha crise. Então amarei. Amarei porque saberei ser fraca.
Amarei porque serei o antigo cisma. Amarei finalmente sem raiva, sem a síndrome
do abandono nos contornos das ações frutíferas. A flor virá como fruto de uma
guerra explodida em cores frágeis, num câncer hipnótico que abrirá meus olhos
para o maior mistério, este que não compartilhei. Uma simples cor dentro das
cinzas da sintaxe, contra o convencimento da palavra justa. E calarei, enfim,
adoravelmente, para pela primeira vez poder ouvir com os olhos, escutar com a
boca, amar com o ódio e aplaudir o silêncio cortante de minhas mãos apertadas
no último enlace da concepção. Mas preciso ainda falar do ódio. Que há em minha
paralisia e no meu espanto, que há no meu voto de matrimônio e que há no meu
amor pelo que não sei, e que me mata. A flor única dirá que o ódio é um mesmo,
que a homem se dispersou para se reencontrar diante de um mesmo precipício.
Esse ódio está em mim, está em Zelito, que dorme apaziguado em seu mundo
simples e vencido, está em Sérgio, que não dorme sacudindo as pernas e
acordando suado de pesadelos que julga bons, que julga éticos e vorazes. Mas é
apenas ódio. O ódio que nos uniu a todos, dentro de chances perdidas por um
amor ideal. Meu amor ideal não está agora em mim, ou em lugar nenhum. Mas está,
tenho certeza, nessa flor sem nome, magra, encurvada, quebradiça, que nascerá
quando nada mais puder nascer. Que desmentirá a bondade, a crueldade e os belos
feitos. Que julgará calada a incerteza de minhas vagas intenções. Poderia dizer:
quero apenas amar o que eu possa compreender. Mas a flor não me trará senão o
silêncio clamoroso de minhas inquietações. Irei com as mãos em sangue até ela,
beijarei sem boca suas pétalas. Por mim, por Zelito, por Sérgio, por todo o
massacre do meu amor desajeitado. O erro dos opostos é um mesmo: ser oposto no
que há de comum. A flor resumirá tudo isso, e terá a cor de um recém-nascido,
pálida e ofegante como um antigo batimento sofrido do que, humildemente,
ficará, enquanto passaremos desarranjados, como símbolo de uma era que não se
fez entender. Por enquanto, aqui, apenas o ódio anda de mãos dadas. O amor é
solitário, despolarizado, não se movimenta, apenas espera, como eu, por uma
chance de florescer. Mas o tempo do amor não é o tempo do mundo. O tempo do
mundo sou eu.
27.11.13
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