vou
procurar a meditação,
porque
a meditação é relaxar
sem
se abandonar.
neste
momento estou sabendo
mais
sobre o assunto.
o
especialista tem uma bela dicção.
já
ao vê-lo falar, me sinto mais calmo.
mas
é preciso lembrar, não é relaxamento!
relaxamento
é um abandono
e
a meditação é um relaxamento
sem
se abandonar.
agora
poderei olhar um objeto
sempre
com percepção renovada,
de
modo que o mesmo objeto
nunca
será o mesmo objeto.
isso
parece bastante atraente.
o
especialista usou a expressão
“a
nível de” no momento em que dizia
“quando
você aplica isso a nível de cérebro”.
será
algo assim tão grave?
espero
que não, continuo, em breve sentarei
com
meu casaco velho que não tiro há dias
no
chão velho com tacos gastos descolados
da
penitenciária onde pago um aluguel,
talvez
nu da cintura para baixo, como for,
e
então farei a minha meditação.
dez
minutos, da minha forma, tentarei isso.
de
repente a entrevistadora muda de assunto,
fala
dos “profissionais que trabalham no limite”,
cirurgiões,
policiais, carcereiros, prisioneiros.
não
sou um profissional que trabalha no limite.
trabalho
meu limite de forma pouco profissional.
além
do que, no momento, estou bem acima
do
meu limite e, por isso, vendo uma entrevista
sobre
meditação e seus inúmeros benefícios.
como
eu disse, vou procurar a meditação.
mas
a questão levantada pela entrevistadora
me
afeta, me angustia um pouco, não muito,
porque
logo em seguida ali está ele outra vez,
o
especialista de bela dicção e com voz tranquila
e
que, ainda por cima, lembra o povo que deveria
ser
o meu povo, mas de alguma forma não é.
a
entrevista se aproxima do fim, os dois estão
agradecendo
e mexendo as pernas nas cadeiras,
parecem
amigáveis e lembro que farei em breve
minha
meditação, sob a janela, ao brilho do sol,
e
o meu chão é um velho chão, com tacos gastos,
e
nem é meu chão, porque não leva meu nome,
é
o chão de uma penitenciária o meu velho chão,
mas
estou livre, a ponto de tombar, livre e prestes,
no
chão de uma penitenciária e portanto aceito
entre
os profissionais que trabalham no limite,
com
a única diferença que, no meu caso,
não
acho que eu seja um profissional do limite.
“isso
precisa ser inserido na vida da pessoa”,
escuto
o sempre calmo especialista falar.
estalo
meus dedos e tremo nas pontas dos pés.
lá
fora há uma obra interminável, homens gordos
e
gentis trocam sanduíches no fim da tarde,
dentro
de mim há uma obra interminável,
mas
não há homens gordos e gentis trabalhando,
os
pássaros vieram bem cedo e já se foram
e
agora é a hora, relaxar sem se abandonar,
e
quem sabe dormir à noite, noutra cela.