eu não preciso
me preocupar
porque eu tenho
que me preocupar.
24.9.09
6.9.09
"a caça ou domingo de chuva"
viver é perder mais do que se sabe
e ganhar menos do que se inventa.
difícil guardar a sensação do vôo
rasante e ser ao mesmo tempo presa
fácil – e eu confesso que tenho
em mim a inclinação monstruosa
de colocar lugares em toda coisa,
amputar as asas e pular em branco
sobre as nuvens de uma consciência
provisória de chuva domingo à tarde.
depenar as palavras que dissolvem
antigas ruínas, fundamental gaiola
que, ao contrário, é fuga, idéia rala,
sensação do tempo em que as asas
batiam com violência, pele no ritmo
do susto que antecipa o real abate.
mas as presas então estavam vivas
e a caça não era uma prática ilegal.
e ganhar menos do que se inventa.
difícil guardar a sensação do vôo
rasante e ser ao mesmo tempo presa
fácil – e eu confesso que tenho
em mim a inclinação monstruosa
de colocar lugares em toda coisa,
amputar as asas e pular em branco
sobre as nuvens de uma consciência
provisória de chuva domingo à tarde.
depenar as palavras que dissolvem
antigas ruínas, fundamental gaiola
que, ao contrário, é fuga, idéia rala,
sensação do tempo em que as asas
batiam com violência, pele no ritmo
do susto que antecipa o real abate.
mas as presas então estavam vivas
e a caça não era uma prática ilegal.
“maradona”
mais uma nota no tango trágico de Maradona.
esta noite me sinto um pouco argentino demais,
as conversas se mancham com sorrisos sociais,
em toda curva vejo um senhor de sobretudo,
uma rua imunda e, basicamente, este senhor,
e além dele, um rapaz de óculos que oferece
drogas às crianças e aos adultos uns pequenos
panfletos com belíssimas prostitutas rubias,
morochas, universitarias, mas não é só por isso
que me sinto argentino esta noite, é também
porque são apenas curvas e sentidos provisórios,
e disso, se você não for Maradona, com tangos
e tragédias, restam apenas os mesmos sorrisos
sociais com que abrimos o armário do banheiro
e escolhemos a melhor posição para morrer.
vá, portanto, Maradona, pelas ruas de Rosário,
vá atrás do sol fácil da tua vertente de Ícaro.
estarei contigo, aqui, de alguma forma, enquanto
sem gosto algum no céu da boca, comemoro
com meus compatriotas o reino óbvio do teu pó.
esta noite me sinto um pouco argentino demais,
as conversas se mancham com sorrisos sociais,
em toda curva vejo um senhor de sobretudo,
uma rua imunda e, basicamente, este senhor,
e além dele, um rapaz de óculos que oferece
drogas às crianças e aos adultos uns pequenos
panfletos com belíssimas prostitutas rubias,
morochas, universitarias, mas não é só por isso
que me sinto argentino esta noite, é também
porque são apenas curvas e sentidos provisórios,
e disso, se você não for Maradona, com tangos
e tragédias, restam apenas os mesmos sorrisos
sociais com que abrimos o armário do banheiro
e escolhemos a melhor posição para morrer.
vá, portanto, Maradona, pelas ruas de Rosário,
vá atrás do sol fácil da tua vertente de Ícaro.
estarei contigo, aqui, de alguma forma, enquanto
sem gosto algum no céu da boca, comemoro
com meus compatriotas o reino óbvio do teu pó.
2.9.09
“segundo poema todo teu”
entra na casa, esta casa onde, por tantas
vezes, entraste sem perceber e, cada vez
mais dentro, saías de vez, mas agora não
sabes mais como sair – olha bem os móveis,
sente o peso das horas que, pela primeira vez
se apresentam arreganhadas, feitas de tecido
sem graça, soma de farrapos – mas olha bem.
não serão mais tuas estas horas, as paredes
te dão as costas, as portas de correr emperram,
estás sozinho onde tantas vezes disseste
a ti mesmo: “estou completamente sozinho”.
mas agora que estás, então não dizes nada.
percebes o ridículo: falas na segunda pessoa.
espera um pouco à porta, não olhes para dentro
do quarto pequeno, onde te espera à toa o corpo.
o ventilador roda noutra direção, e ali está ela,
que espantava as hienas e falava com mil sóis.
não te diz respeito o lugar para onde tantas vezes
fugiste sem pés de uma realidade seca, infame.
adeus ao quadro de Chagall, ao homem flutuante
em frente à Torre de Paris, adeus, Neal Cassady,
Kerouac, que primeiro te ensinou o abraço e,
acima de tudo, adeus aos braços, que se abrem
murchos para uma nova vertigem seca, sem pulo.
de costas para o muro ficas parado, voltas à porta:
não há mais porta, os caminhos se afunilaram
em gargantas abertas por navalhas de ferrugem.
não serão mais tuas estas horas e, em breve,
não serão mais tuas estas lembranças, nem tu
serás mais de ti mesmo, pobre órfão fugitivo.
ficaram algumas marcas de amor pelo chão,
agora ficam aqui lágrimas irreconhecíveis,
sabe-se lá de que são feitas, mas escorrem
como tudo o mais escorre para fora, adiante.
adeus incensos baratos à meia-noite pálida,
adeus às cortinas prateadas que escondiam
um segredo só nosso, e nem mesmo nosso.
adeus cigana de tantos dentes – diga adeus.
adeus Elis Regina, pintada por Andy Warhol.
adeus mesa feita de um antigo baú, adeus,
bares de esquina, cartas invisíveis de amor,
viagens não realizadas, concretizadas na cama,
até um dia bairro de Laranjeiras, vinho chileno,
adeus à toda intensidade da carne crua cansada.
“o mais profundo é a pele”, você dizia imitando
Paul Valery, mas agora adeus Paul, adeus pele.
ela que se encolhe agora na cama, sonhando
com tempos talvez mais leves, mas, meu amor,
se a vida não foi leve para nós, foi por dádiva,
porque somos os que podemos agüentar o peso,
somos os beneficiados com o espanto e a cura.
principalmente, agora, adeus manta africana,
com que ela te recebeu pela primeira vez,
jogando em seguida a chave pela janela.
aqui está a chave sobre a mesa, e dos dois
restou um livro de poemas, um livro médio,
um poema só dela, dos que fazem chorar,
e a chave do peito, essa que não devolverás,
essa que de tanto abrir e fechar fez carne viva
do que antes chamavas miséria, mas agora
chamas primeiro grito, susto que não se diz,
e não falarás mais nada, apenas amarás a ela
em preto e branco, como nos filmes antigos.
vezes, entraste sem perceber e, cada vez
mais dentro, saías de vez, mas agora não
sabes mais como sair – olha bem os móveis,
sente o peso das horas que, pela primeira vez
se apresentam arreganhadas, feitas de tecido
sem graça, soma de farrapos – mas olha bem.
não serão mais tuas estas horas, as paredes
te dão as costas, as portas de correr emperram,
estás sozinho onde tantas vezes disseste
a ti mesmo: “estou completamente sozinho”.
mas agora que estás, então não dizes nada.
percebes o ridículo: falas na segunda pessoa.
espera um pouco à porta, não olhes para dentro
do quarto pequeno, onde te espera à toa o corpo.
o ventilador roda noutra direção, e ali está ela,
que espantava as hienas e falava com mil sóis.
não te diz respeito o lugar para onde tantas vezes
fugiste sem pés de uma realidade seca, infame.
adeus ao quadro de Chagall, ao homem flutuante
em frente à Torre de Paris, adeus, Neal Cassady,
Kerouac, que primeiro te ensinou o abraço e,
acima de tudo, adeus aos braços, que se abrem
murchos para uma nova vertigem seca, sem pulo.
de costas para o muro ficas parado, voltas à porta:
não há mais porta, os caminhos se afunilaram
em gargantas abertas por navalhas de ferrugem.
não serão mais tuas estas horas e, em breve,
não serão mais tuas estas lembranças, nem tu
serás mais de ti mesmo, pobre órfão fugitivo.
ficaram algumas marcas de amor pelo chão,
agora ficam aqui lágrimas irreconhecíveis,
sabe-se lá de que são feitas, mas escorrem
como tudo o mais escorre para fora, adiante.
adeus incensos baratos à meia-noite pálida,
adeus às cortinas prateadas que escondiam
um segredo só nosso, e nem mesmo nosso.
adeus cigana de tantos dentes – diga adeus.
adeus Elis Regina, pintada por Andy Warhol.
adeus mesa feita de um antigo baú, adeus,
bares de esquina, cartas invisíveis de amor,
viagens não realizadas, concretizadas na cama,
até um dia bairro de Laranjeiras, vinho chileno,
adeus à toda intensidade da carne crua cansada.
“o mais profundo é a pele”, você dizia imitando
Paul Valery, mas agora adeus Paul, adeus pele.
ela que se encolhe agora na cama, sonhando
com tempos talvez mais leves, mas, meu amor,
se a vida não foi leve para nós, foi por dádiva,
porque somos os que podemos agüentar o peso,
somos os beneficiados com o espanto e a cura.
principalmente, agora, adeus manta africana,
com que ela te recebeu pela primeira vez,
jogando em seguida a chave pela janela.
aqui está a chave sobre a mesa, e dos dois
restou um livro de poemas, um livro médio,
um poema só dela, dos que fazem chorar,
e a chave do peito, essa que não devolverás,
essa que de tanto abrir e fechar fez carne viva
do que antes chamavas miséria, mas agora
chamas primeiro grito, susto que não se diz,
e não falarás mais nada, apenas amarás a ela
em preto e branco, como nos filmes antigos.
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