16.7.08

"vamos com ela?"


Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.À ponta do lápis o traço.Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.Na ponta dos pés o salto.Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra "tertúlia" e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois - depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio.Não sei sobre o que estou falando. Estou falando de nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.É para o meu pobre nome que vou.E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.


Clarice Lispector

13.7.08

"strindberg"

súmula abstrata
de jeito licoroso.
no céu da boca
inicia o percurso.

que do inferno foi ao fundo
nos trazer o grave presságio.
amante cético, químico selvagem,
rocha nórdica de lascas romanas.

adentro o labirinto em lusco-fusco,
indiferente ao afeto e à loucura.
minha mão treme, ela não decide,
e se inclina sobre teu fogo-fátuo.

resta agarrar a outra mão em ciranda,
estalar os dedos, seguir a valsa patética.
essa linha tão fina, de divisão insólita -
um deus cego, vendado entre montanhas.

9.7.08

"inferno sueco"


(...) a terra é uma colônia penitenciária onde temos que expiar crimes cometidos em existência anterior, e a nossa consciência conserva deles essa memória vaga que nos impele a uma melhoria. Visto isso, todos somos criminosos, e tem razão o pessimista que está sempre a dizer mal do seu próximo.



(Inferno, de August Strindberg)