22.3.21

“trazemos deus nos focinhos”


tem sido por aqui bastante impossível

esperar que a vida volte, como a noite,

a nos arrematar com martelo de beleza

os pinos do nosso magro amor enrugado

diante das portas que no sonho se abrem

enquanto jogamos dados sem números

na banca de apostas da nossa extinção.

agora que nossas cabeças

incham com areia de horas

e se despem da experiência

daquilo que, pensávamos,

nós teríamos sido um dia.

nossa espécie é a dúvida,

jamais soubemos de onde

viemos e para onde vamos,

mas isso nunca doeu tanto.

ano passado faz dois anos,

ano que vem ele fará três.

será que, daqui por diante,

contaremos ano passado para sempre?

fico feliz de não estar louco sozinho,

que a loucura aqui seja companheira,

mas triste de não poder compartilhar

a loucura dos que enfim se libertaram

de precisarem acreditar em algo a mais

que espera na frente e não se pode ver.

 

 

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