25.8.15

“shoá”


a câmara de gás fica ao lado
do necrotério, que fica ao lado
do crematório.

ouvimos as histórias
que vêm da sala de estar,
em vozes de velhos soturnos.

são corpos duros amontoados
no quarto escuro da violação
de todos os pendores.

são vozes mortas
na imensidão vermelha
do apocalipse que faz a vida.

as vozes dos velhos soturnos
estão cansadas, mas não cessam
enquanto não dormimos.

mas não se esqueça
que há senhas bloqueadas
para impedir que as crianças
prevejam seu futuro.

a câmara de gás fica ao lado
do necrotério, que fica ao lado
do crematório.

15.8.15

"robôs em fuga"


mais uma vez aqui
e já há tanto tempo,
na agressividade seca do instante,
no acelerador de partículas da alma,
no refúgio dos corações enferrujados,
nas bolas de fogo dentro dos bolsos,
nos narizes vermelhos de amor e ódio,
nos catarros do receio,
na síndrome das pernas agitadas
e na boca imensa cheia de tiros.

mais uma vez aqui
e já há tanto tempo,
hóspede na terceira classe
de um trem descarrilado,
robô em fuga lenta
da chuva ácida de xangai,
mitologias esfareladas
com restos animais à mesa,
junto apenas na distância
que nos separa do horizonte
de toda esperança.  

na vergonha de não conseguir
e na vergonha de seguir tentando não
conseguir para permanecer vivo,
mas vivos estamos, pensamos todos,
é preciso não conseguir para estar vivo,
é preciso saber sempre pela metade
e da outra parte fazer o calvário
muitas vezes silencioso e sem músculos,
de doce passagem tumultuosa,
com imensas dificuldades, por saber
muito mais do que seria bonito saber.

12.8.15

“goya”





capturados entre exigências contraditórias,
levados a construir compromissos laboriosos,
sob regicídio e terror, alguns “esclarecidos”
sofrem represálias, surdos e melancólicos
adoradores de furúnculos, legislados na arte,
empalados por certa benevolência deicida,
abastados colecionadores de convicções liberais.

ainda assim a impressão de termos nascido
para outro mundo, sem sono nem repouso
enquanto não tivermos concluído o assunto,
sem chamar isso de viver, a vida que levamos,
pessoas cujas marcas nos quartos de pernoite
são marcas de cigarro nos lençóis brancos
muito limpos onde  perturbações dormitam.

enterrá-los e calar-se, assim são as semanas,
absurdos se repetem dos dois lados do front.
não sabíamos então reconhecer as profecias,
então as máscaras diziam a verdade recôndita
escondida na fachada mentirosa da face nua.
carvões quebrados pelos inimigos das Luzes,
consequência inelutável de banhar-se nelas.