25.5.06

poesia em sangue de norte a sul



"Desencanto" (Manuel Bandeira)

Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

***

"A Rua dos Cataventos" (Mario Quintana)

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

22.5.06

trio parada dura...


Money Jungle (1962)
Duke Ellington (piano); Charlie Mingus (contrabaixo); Max Roach (bateria)

"continue procurando”

não está nas salas de aula, ou nos bares de arredores. não está no bolso do poeta, ou na outra cor do camaleão. não está nas bochechas vermelhas, ou na vergonha do beijo traído pelas varejeiras da paixão. não está nas luzes do sucesso imediato – inanimado – anonimato, ou na vala do esquecimento saudável por pontos de audiência.

não está em gravatas coloridas sob encomenda, ou em calças milimetricamente rasgadas para quem quiser acreditar em fadas, feitas com trapos do que sobrou da bandeira. não está nos salões lotados de dança e fumaça e morte cronometrada em sorrisos felizes mais fáceis do que admitir, ou na azeitona no copo de martini seco do velho e pobre cantor de tango que esqueceu a dentadura em casa mas continua mais elegante do que você e eu.

não está no mais novo gênio do último momento que passou e terminou sem que ele mesmo soubesse, porque nunca soube de fato, muito preocupado com o corte de cabelo de sua mais nova criação. não está nos versos sobre ondas preguiçosas, ou no pôr-do-sol assassinado pelo frio de uma rosa morta.

não está na mala do carteiro simpático e triste, ou no mesmo antigo caos do dia seguinte. não está nas listas telefônicas, ou nos dedos entre os cabelos embaraçados que assim ficam menos românticos do que se suporia se antes de amar fosse possível entender. não está nos direitos humanos, ou à esquerda do contratempo. não está na velha vestida em listras na frente do restaurante chinês, ou no camarada com sorriso canastra que traça a puta da novela das seis.

não está na bússola do náufrago atacado pelo escorbuto, ou na próstata do câncer letrado em dedos falsos no queixo diante de uma pintura social. não está nos hinos dos patriotas, tampouco nos cânticos ecumênicos sob as saias eretas dos sodomitas de alma pelada que não tiveram infância e por isso precisam fodê-la enquanto choram de culpa. não está nas orgias auto-afirmativas em gritos transgressores de sereno desespero, ou nas serestas mudas sob a chuva ácida.

não está no sujeito sem futuro com o rádio de pilha na orelha surda, ou no que diz o rádio sob a forma de ondas paralíticas, para quem pensa que tem um futuro – e ele passou enquanto se pensava sobre. não está na luta das classes pelo buraco maior, ou nas desavenças embriagadas pelo ego menor. não está em hierarquias que estabelecem cicatrizes nos rostos sujos de lama, ou nos frutos podres feitos de papel timbrado na gaveta de uma repartição superfaturada.

não está na gaivota cansada que mergulhou fundo e não encontrou o peixe, ou no peixe que fugiu da gaivota cansada e foi engolido por um tubarão. não está na menina com mau hálito que me olha e não gosta do que vê, ou na outra de cintura abaloada que diz à amiga que detesta comida japonesa – pelo que a amo.

não está na menina de dentes separados que lê meus papéis e pede um sexo rápido – pelo que a amo e descubro o quão simples é amar, sem que ela saiba no entanto como, muito menos eu, sem que ela esteja aqui de fato, simplesmente porque amar pode ser fácil, mas tente fazê-lo fato e você vai ver uma coisa.

é um exercício saudável, depois de todas as bebedeiras, de todas as mortes instantâneas pela cruz do tempo, das amarguras escondidas por trás de sorrisos amarelados na fila do caixa rápido, dos corações ainda quentes abandonados sob a chuva forte, das razões perdidas em minutos de vida pura, que te matam, porque assim manda o estado de direito, é importante, depois de toda beleza que se esvaiu em lágrimas, perguntar a si mesmo onde não está.

e quando te disserem – achei! não se assuste nem se afugente. apenas sorria e ignore. não está ali também. mas um pouco de delicadeza nunca é desprezível quando se pode matar com as próprias mãos.

e então, talvez um dia, quem sabe hoje, quem sabe agora, enquanto lá fora voa um passarinho na direção do predador, ou no dia em que, honestamente, soubermos identificar todos os lugares onde não está, saberemos por fim o que procurar.

"chame do que quiser..."

19.5.06

“arthur rimbaud”

só os acomodados sorriem
reparei nisso me olhando no espelho
não vou dizer se sorria ou não, mas que importa?
vocês devem estar imaginando o pior, se me amam
e se me odeiam já pararam de ler.

aprendi contigo a me desaprender para sobrar em mim apenas eu mesmo
e que as cidades são nossas próprias terminações nervosas em fios de luz
nossos pêlos são alegorias de fumaças espectrais nas chaminés do absurdo
nossas vozes ressoadas nos ouvidos do infinito suam águas do novo desgelo
gagueira suja que sempre retorna ao inexprimível e nos faz duvidar da tese.

nossos desejos, simples ferrugem
necessidade de despertar de olhos fechados
para o invisível desconhecido de si mesmo.

nossos olhos, ah nossos olhos
e as figuras molhadas e estranhas que se matizam dentro deles
trêmulos incontroláveis e lassos
um desregramento racional de todos os sentidos
para alcançar o falho em nós e saber o verdadeiro
mais rápidos que a partitura sequencial do tempo.

nossas palavras, símbolos carentes de imagens
petrificadas em movimentos impulsivos
átomos caleidoscópicos a caminho químico
do comprometimento com a vida amorfa
em cores esmaecidas pelo amor que no fundo
só se reconhece em escombros edificantes.

processo poético de imagem-música sinestésica
cavalos rabiscados por Boucher escancaram de dentes
as múltiplas cabeças no único corpo necessitado de tinta fresca
o menino que dorme sobre a pele do princípio insensato ferve de sonhos.

eu sou o outro
porque sempre ao próximo
pertence minha atenção fragmentada em síncope
portanto o que chamam de mim
são apenas migalhas dos meus próximos passos sem chão
sempre é outro que se manifesta através dos meus dedos
no instante da liberação imóvel.

nossa linguagem a nossa visão
perto dela estamos cegos de luz
longe dela cegos de transformação.

através do vendaval de imagens permutadas em ritmo
as paisagens não-miméticas e únicas se tornam atemporais.

18.5.06

“menino tropeça e cai de costas no asfalto”

“Entre os olhos e a coisa
cai a sombra,
e essa sombra,
é a palavra pré-gravada”
(William S. Burroughs)
...e você não está ali quando mente de costas, dentro da minha reticência beatificada no caos urbano em gritos e olhos cheios de incompreensão e facas sem fio, mas ouço o teu barulho, um estalo no desapego do sexo que bateu as asas, como se o barulho fosse da fricção da coisa vindo, como se o declínio estivesse próximo do corpo adormecido de meios-fios, comedores cabisbaixos de paralelepípedos, um som surdo e seco, devastador como a flor que não passa de plástico vivo, como nós, como um saco de ossos que se pulverizaram dentro do amor assusta-dor, quem me assusta é o som do que sai de dentro como meteoros explícitos na carne sudorípara do teu pecado repentinamente próximo, dedicado a mim esse som, um som de tropeço e absinto, um som casal de poetas falidos em praças áridas onde crianças não sabem o que as espera e sorriem, sinto a tiara do ódio castrado presa à falha do couro cabeludo, e nem sei o que digo, é verdade, mas quem souber melhor do que eu tampouco deveria dizer, pois se sabe, contente-se, e boa passagem, mas sinto o vento desse som no ouvido dos pontos suspensos em coletas digressivas da paz forjada na calma do sussurro banido, esse som que sua meus sentidos e derrete minhas necessidades imediatas, que me faz ver santos nas esquinas das palavras desnecessárias das quais tanto preciso para morrer aflito na tua paz, som vazio e seco, som do seio surdo que não sai da sua sonora suposição de mim, por mais que eu tente te arrancar do vácuo deixando meu vermelho no teu braço, que pise fundo na imensidão da dúvida, dos abraços distorcidos em concordâncias desleais, na busca por migalhas do que de mim só existe em bocas entrecortadas no momento do choro desapercebido no escuro do quarto quando sou eu que tenho os dentes brilhantes e brancos, pavorosamente brancos, no teu mundo de calcinhas e meias-calças do qual fui mutilado com a faca das decisões sem ressalvas, do que não volta atrás depois que se ouve o som, cabelos em choque que paralisam o tempo eterno, espinhas que se contorcem nos eixos sujos da tristeza irrevogável, nos movimentos tetraplégicos necessitados de um porém que não se quebre, apenas mais um garoto tombado na esquina do agora ou nunca, e esse som que é meu irmão e que eu amo porque me deixa calmo, inconsciente como vim e como vou, na nulidade tranqüilizante dos assobios dos caridosos embriagados, das árvores que acompanham o momento do som mais sorte da próxima vez, pernas como foices cálidas, ou um sorriso rápido emprestado que me tomou a direção dos passos, quando as palavras se calam e eu entendo a verdade que grita que nada pode ser, enquanto for apenas, e não tudo.

16.5.06

TURMINHA BOA ESSA...

da esquerda para a direita:
John Coltrane, Julian "Cannonball" Adderley, Miles Davis e Bill Evans.

“a morte da mãe”

olhos doloridos
sob a cama de mogno
bocas perdidas
no escuro dos passos
chega o corpo.

te vejo tão calma
nariz de algodão
há pessoas na sala
a madeira é de lei
o silêncio repartido
entre hienas beatas
em conchas de mão.

te vejo tão calma
não vejo ninguém
tua gripe passou?
não me respondem
pigarreiam sabores
no teu cílio de lança
meu peito não entende.

teu calor ainda na cama
me deito vazio
reza quem diz que ama
paredes no cio
instigam a busca insana.

14.5.06

“não me procurem mais”

à menina
Parece que fim. Não confundam, sim, não confundam, não, que fim, que eu... Mas é só o começo. Palavras que sempre derrubaram homens, massacraram tentativas de reparo, atropelaram sentimentos puros e vagos, fortes e hesitantes, sedentos por uma nova página, por uma nova vida... Pois vá, vida! Vá simples, evolutiva, para fora de mim, para fora desse espelho persecutório, vá e se aposse das sombras que cochicham derrotas por detrás do córtex apelativo dentro da fuga parada. Uma solução da mistura do que fazer com o que não pode ser desfeito anula boas intenções. Erros fazem o homem, muito mais que acertos. Pois errando ele se sente menos homem, quando de fato é, porque ser homem é ser menos, quando se alcança o ápice, quando se pode ver. Mas tudo é apenas palavra – não altera em nada – na necessidade de ter sido a hora certa fora do relógio derretido pregado à parede descascada do meu perdão. O tempo passou, seguro meus fios nas mãos roídas de dúvidas infantis, tão tarde e no princípio da dívida que não sei para onde rumar, não parece haver solidez em nenhum lugar, se sempre essa sombra, esse reflexo. E eu não quero a solidez – pois preciso escorregar frouxo no fundo da lama essencial – para acompanhar a culpa, a água que ficou amarga, os restos que favorecem aos ratos, teu beijo que morde minha garganta, que coça minhas raízes, sacode o homem dentro do erro humano das coisas que a um homem nunca foram permitidas. Não são permitidas palavras por necessidade. O mundo é feito de esmolas sonoras e silêncios mal-compreendidos. O texto é triste, eu sei, mas talvez pela escuridão do quarto que os olhos teimam através da luz contígua, dos cílios que pegaram fogo de fronte ao escárnio das cortinas, dos olhos que se apagaram dentro da tua cor sutil, do teu dorso revirado em germes maltrapilhos – minha necessidade –, talvez só por isso eu veja a beleza. Distante mas firme. Como a agonia mensageira de um coração enfartado – mas que ainda movimenta tripas de borco – boiando na solução salgada do amor confundido. Tão longe de ti – de mim tão perto – que fim.

12.5.06

“paredes simples – tão complicadas”

Coisas velhas se acentuam como novas possibilidades de choro flácido. O que significa o orgasmo? Uma simples combinação sádica de estéticas – desprovida de qualquer cumplicidade – se torna uma ligação volátil: “oi, vou direto onde não combinei contigo”. E aí se tem uma espécie de verdade com cor. Ou vingança? Acho que não. A não ser que se precise do que não se teve na margem do precipício. Errado é o gosto descontínuo. Choros sem saber porque o couro intacto geme de frio. Radiografias de longe, mas tão perto do que se sente, como ligação pura e simples, cômica, nos dias coloridos de pústulas. Talvez a norma falha. Talvez não devesse ser o dever de quem sabe muito do que não se espera pouco, ou tudo que falta sem saber pelo que perguntar. Pelo bem ou pelo mal. A fala errada, quando massageio o cocuruto, significa a velhice, mesmo que seja logo, sabor de veludo. Um casal bonito exemplifica o meu erro. Cascas em ferida beatificam o instante, rápido demais para queixos românticos em lá maior. Treme a vontade de tecer em mim mesmo, ou te ser, sem mais tarde quem sabe Cartola. Textos fugazes no ritmo do cais de ondas, que são noturnas, e não marcam a pele congestionada. Quem me disse: você tem algo estranho com relação às pessoas, tem muito mais do que eu poderia querer de alguém – isso basta por enquanto – e hoje mora em esquinas invisíveis. Olhando para as paredes te amo, mas são apenas paredes, e isso me torna morto.

11.5.06

“frágil”

O menino de dezessete anos que morreu pelo amor vago, o que os médicos protocolaram como “mal súbito”, num campo de futebol cheio, em Minas Gerais. O que eu quis amar e o que eu pude dar em troca por conta da frase. Uma pomba embrulhada para presente no festival da canção popular de mil novecentos e setenta e dois passado e sempre franco, mas não tanto. Uma menina que me amava com palavras e que me nega por que tem razão. O termo fácil da bebida por autocomiseração, já que o que resta é duvidar e escrever a certeza. Duas trelas mal-forjadas junto a um bêbado que ajudou a perfurar o metrô e elevou a ponte onde muitos Manhattan. O cerco da solidão das pessoas conjuntas em círculos admissíveis. Uma caneca de bom uísque cheia – bordada com seu próprio sobrenome na face azuleja – do erro porcelano. A mesma menina que um dia disse, hoje não diz mais nada, apenas alega vingança, sem que se negue a abundância do que se diz sobre a libido. A melodia azul que ouço agora numa voz barítono de heroína. Camisas xadrezes abotoadas nas mangas, lembrando Cobain na hora inexata. Meninas com cabelos de mola, que não são tuas, são do azul que foi embora de ti, só porque lembrei do azul há pouco. Dois cavalos de tróia, por pura intransigência poética. O outro lado da moeda, branco. Três acordes de improviso beato em meio a gritos de selvageria. Uma ligação madrugada, atendida pela metade de imediato, sem ninguém acordado do outro lado da linha. Ser são, mas não ser verdadeiro. Ser louco, mas não como as pessoas entendem o que chamam de loucura, ou de sociedade harmônica. Mentiras na tela dos olhos. Tristes rasgos de paixão que furam camisas arrombadas de gritos. Atrizes que me passam pela cabeça, sem que eu deixe de pensar em Rita. Uma cagada fedorenta que mais parece risco do que isso, sendo apenas você menos você, o que é igual a mais menos. Dúvidas de prazer confundidas com falta de amor. Chances de palavras que simplesmente te insultam pela burrice. Firmeza de pensamento no gozo repartido em fósseis ocultos. Todas as coisas do mundo, já que estamos todos certos. E o quanto isso soa patético, sabendo que somos humanos. Mas no fundo, uma menina que me fez acreditar na morte do ídolo de mim mesmo. A mesma que hoje usa frases feitas – a mesma que hoje me aceita pela metade – me fez ser inteiro. E eu adoro Tim Buckley, é claro.

10.5.06

“humanidade”

seres humanos são
um contra-senso.
cientistas afirmam
que somos seres
que nasceram
para viver em
sociedade.
mas
quanto menos
vejo uma pessoa
mais eu gosto dela.
isso nos deixa com
três opções viáveis:
1.
ou eu não sou
um ser humano
2.
ou os cientistas
não são
3.
ou estamos todos
mortos de par em par
porque nos fizeram acreditar
que nascemos para viver assim
quando, pelo bem da verdade
nascemos para morrer assim.
mas eu prefiro a primeira opção.

“conversação”

começa com ela numa mesa sentada
batom vermelho, unhas vermelhas
de longe você não entende nada.

daí você chega perto e demora
para reconhecê-la
ela também deve ter demorado
depois de ter passado
alguns minutos diante do espelho
tentando ignorar a tristeza
que ria da sua maquiagem azul demais.

ela começa falando, como sempre:
“preciso te dizer que vou parar de te ligar”
uma garrafa verde de água com gás
sobre a mesa marrom encardida
deixa a cena ainda mais esquisita
como se ela acontecesse
independentemente
de você
mas você permanece de olho na garrafa
e ela continua falando:
“eu preciso disso porque gosto muito de você
e te esquecer vai ser difícil de outro jeito”.

ela também tinha sido encontrada
eu já tinha sido havia um tempo
éramos dois perdidos sem chance
encontrados
pelo irreconhecível monumento
que confundimos com lamento
quando são apenas olhos vesgos
na direção certa
o que dá na mesma
que ter o alvo mas não ter a reta.

e nessa hora
cada um
tem o seu
método.

eu peço mais cerveja
ela engole pílulas.

"sombras improvisadas"


este relato usa nomes reais
mas não passa de uma ficção
sobre um momento histórico
para formar outro momento
não tão importante assim
nem tão histórico assim
mas meu.


No início das filmagens de Shadows, John Cassavetes telefonou para Charles Mingus, que na época vivia com seus óculos escuros de abelha, comendo tortas de merengue pelos becos do Village, criando suas epopéias, sempre – os cabelos como choque de alta tensão – da sua forma caótica e sangrenta. Combinaram de se encontrar para beber.

John precisava de uma trilha para seu filme. Um filme feito a partir de um estudo da improvisação, no qual Cassavetes atuava como um motor propulsor, incendiando seus alunos, que eram também seus atores. Miles Davis tinha refugado por causa do seu contrato de exclusividade com a Columbia. Mingus estudava cada vez em águas mais profundas, e era fácil encontrá-lo atrás de um rabo ou um trago ou uma dose nos arredores do Café Bohemia. Era o homem certo para o trabalho, se fosse possível encontrá-lo ainda de pé.

John explicou a Mingus o teor do seu filme, e porque precisava dele. Como sempre, Cassavetes queria o instante, o fogo ainda frio, na chama ainda azul, o cume da emoção capturado no instante exato. Mingus disse algo como “Cara, acho que gostei da sua idéia. Mas me deixe pensar”, e desligou. Pouco tempo depois, John telefonou.

- Tudo bem, cara, queremos fazer – disse Mingus. – Vai ser com o Shafi no alto. Mas preciso de tempo para trabalhar. Quero fazer isso direito.

- Tudo bem, Charlie, sem problema – disse Cassavetes.

Houve um tempo de silêncio, durante o qual se ouvia uma respiração pesada como um bocejo de hipopótamo.

- Quanto tempo, Charlie? – disse John.

- Tempo. Eu te procuro quando encontrar o tema.

Mingus desligou o telefone.

Três meses se passaram, as filmagens já estavam bastante adiantadas, quando John procurou Mingus outra vez.

- Ei, Charlie, como vão as coisas?

- Mal, cara, muito mal... Tem uns gatos filhos-da-puta nessa merda de apartamento que ficam cagando sobre os meus papéis e não me deixam trabalhar. Impossível trabalhar desse jeito, escutou? Impossível me concentrar desse jeito!

- Os gatos são seus, Charlie?

- Sim, mas não sei como vieram parar aqui. Você precisa se livrar deles. Venha agora.

Mingus desligou o telefone. Isso já estava se tornando uma rotina. John não gostava de rotina. Seu filme não era sobre rotina.

John Cassavetes foi até o apartamento de Charles Mingus com alguns de seus alunos e se livrou de todos os gatos, escovou o assoalho, limpou os vidros, lavou até mesmo o banheiro. Deu trabalho. Era a típica espelunca de um viciado em heroína, muito comum no Village daqueles tempos. Tinha as janelas emperradas e completamente embaçadas, o mofo imperante descolando o reboco, tábuas de assoalho que rangiam por debaixo do carpete encardido mal-fixado, com muitos buracos de pontas de cigarro nele, as paredes descascadas como carrancas demoníacas num branco poroso, algumas garrafas esquecidas no chão, como bebês natimortos, e uma certa paz caótica que se encontra na mortalha deste tipo de ambiente que, apesar de tudo, ganhava naturalidade e até mesmo beleza, com o contrabaixo de Mingus intacto e muito bem polido no canto da sala.

Mingus observou tudo de pé, braços cruzados, com a cara amarrada por trás da escuridão das lentes escuras. Parecia contrariado com o fato de estarem mexendo nos seus papéis. Mas deixou que terminassem. No final ficaram apenas ele e John, tomando o que havia sobrado de um quarto de vinho de mesa e fumando cigarros na varanda, enquanto aviões supersônicos sobrevoavam os arranha-céus de Manhattan.

- O que você já tem para mim, Charlie? – disse John com delicadeza.

- Lady Johnny, não me pressione. Tenho o tema para o seu filme.

- Posso ouvir?

- Sim, é claro, garoto. Mas, por favor, não me pressione.

Mingus deu um forte trago no seu cigarro, cheio de manha, e solfejou seis notas que não pareceriam harmônicas, não fossem, é claro, de Charles Mingus.

- É isso? – disse John.

- Só que ainda não escrevi. Preciso de mais tempo.

- Tudo bem.

Cassavetes visitava o estúdio de Mingus quase diariamente. Estava cada vez mais irritado com a lentidão do seu processo de composição, mas o respeitava demais como músico para interferir. Um artista precisa de espaço, ele pensava, mas de onde eu vou tirar tempo?

Um belo dia, John chegou pela manhã com pães e leite e encontrou Mingus deitado no chão, dando cabeçadas contra a parede, sem nenhuma expressão no rosto, completamente nu.

- Você não parece muito bem, Charlie.

Mingus parou, firmou um joelho na frente do outro e se levantou com a ajuda da parede. Andou vagarosamente na direção de John e o agarrou com força pelo colarinho. Perdigotos como chuva ácida amarrotaram a manhã de sol.

- Escuta, cara, não posso trabalhar... Essa espelunca parece um consultório dentário! Tudo muito limpo, muito arrumado! Preciso dos gatos de volta...

***
Nesse ritmo seguiram as filmagens. Uma vez o tema estabelecido, Mingus passou a freqüentar um pequeno cortiço esfacelado – que todos chamavam carinhosamente de estúdio – com sua banda, onde assistia às imagens do filme, tocava livremente e discutia suas idéias com Cassavetes, mas só depois que estivesse embriagado. Antes disso, amaldiçoava as paredes e negava qualquer idéia que não a sua, com a justificativa de que o estavam pressionando e que um artista verdadeiro precisa de tempo para criar. Mingus detestava discutir sobre música, ou que lhe ditassem uma conduta. Batia o pé com relação a escrever formalmente a trilha. Mas virava uma criança dócil que se satisfaz com um pirulito em espiral quando estava bêbado. Parecia ser várias pessoas numa só, muitas vezes ao mesmo tempo.

- Que merda, Charlie! – gritou Cassavetes, irritado muitos diriam, não fosse a sua maneira de demonstrar entusiasmo. – Escutem, rapazes, vocês são capazes de improvisar... São formidáveis quando improvisam... Podem improvisar a partir do tema que já têm!

- Impossível, meu camaradinha. Não podemos fazer isso – disse Mingus. – Negativo. Somos artistas! É preciso que isso seja escrito devidamente. É uma bela música, cara.

No fim ficou estabelecido um acordo entre os dois. A banda de Mingus improvisaria a partir do tema composto pelo próprio, como se estivessem tocando num clube de jazz dentro do filme. Gravaram a trilha em poucas horas, e então Charles Mingus desapareceu.

John se deu conta de que precisava rodar mais algumas cenas antes de dar o filme por terminado. Convocou a atriz Lelia Goldoni, protagonista do filme, que estava tendo um filho na Califórnia.

- Precisamos de mais umas cenas, Lelia. Você pode vir?

- Eu cortei os cabelos, John.

- Te arranjamos uma peruca.

- Acabei de ter um filho.

- Já escolheu o nome?

- Ainda não.

- Então escolha logo e venha no vôo das nove horas.

É claro que era preciso encontrar Charles Mingus. Mas não havia sinal dele. Cassavetes ligou para Shafi Hadi. Mingus havia viajado para Tijuana, no México. Fazia alguns meses. Shafi também não tinha notícias desde então. Mas falou sobre o que parecia ser uma espécie de uma expedição musical.

- Esse filho-da-puta viciado fumando peiote e eu aqui comendo merda – bufou John.

Shafi não disse nada.

- Escuta, Shafi, você não quer fazer no lugar dele?

- Ele compôs a música, cara. Não tem como fazer da maneira que ele faz.

- Eu quero da sua maneira!

- Tá legal.

Shafi Hadi era muito magro e alto, tinha uma postura elegante e se vestia muito bem, por mais que estivesse sempre com roupas amarrotadas cheirando a bordel. Chegou no estúdio onde encontrou John com uma camisa abotoada e um colete puído, anotando num papel com a mão apoiada na testa, falando alto com ninguém.

- Ei, Lady Johnny! – gritou Shafi. – Falando com os mortos?

- Vamos gravar? – disse John se virando bruscamente.

- Espere só eu montar o meu cisne. Então você terá o seu lago.

John mostrou a Shafi os trechos do filme que sua música cobriria. Mostrou três vezes os mesmos trechos. Shafi Hadi permaneceu em silêncio o tempo todo, com os olhos semifechados. Então ficaram os dois se olhando em silêncio. John com as mãos nas ancas, Hadi abraçado ao seu sax.

- Você espera que eu toque dessa maneira? – disse o músico finalmente.

- Quero que toque pensando nas imagens que vê. Pensando no que elas te fazem sentir.

- Preciso de uma história.

- O quê?

- Preciso que você me conte a história da minha vida, para poder tocar sobre ela.

John ficou um minuto ou dois vidrado nos olhos de Shafi, pensando no assunto. Poderia tanto engolir sua cabeça quanto pular pela janela. Mas depois subiu na mesa e começou a contar uma história, uma história alucinada, uma história qualquer sobre um saxofonista que tinha problemas com a bebida e com as agulhas, e em pouco tempo estava pulando freneticamente de cadeira em cadeira, fazendo caretas monstruosas e passos de dança, esculpindo mensagens no ar com as mãos, desenhando sonhos enlouquecidos num mar opiáceo, pelo que Shafi Hadi soprou sua história de olhos fechados. E então foram as sombras. E nada mais.

8.5.06

“duplo suicídio de cima de uma ponte”

cobrei dos teus olhos o que
não cobraria da tua alma.
lá fora o vento é de água
fraco como a memória.
restam apostas ganhas
perdidas nos bolsos.
estamos sozinhos
agora que somos
a cor da junção.
e isso é tudo.
você e eu.
e lá fora
peixes
azuis.

"E agora, José?"

“Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos”.
“Como as pessoas lêem sempre em vez do melhor de todos os tempos o mais recente, os autores permanecem na esfera estreita das idéias circulantes, e o século se enterra cada vez mais profundamente nos seus próprios excrementos”.
“É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, como panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para palhaços sempre encontra um grande público”. “Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos”.
“Eu, porém, agradeço o destino que me apresentou ainda na juventude o belo epigrama de A.W.Shlegel que, desde então, é minha estrela-guia:
Leia os antigos com cuidado, os antigos de verdade:
O que os novos dizem deles quase nada significa"
*A passagem de Lichtenberg diz: “Acho que em nossos dias se persegue a história das ciências demasiado minuciosamente, para grande detrimento da própria ciência. Ela é de leitura agradável, mas deixa a cabeça não exatamente vazia mas, de fato, sem força; justamente porque a enche tanto. Todo aquele que já sentiu em si a vontade de não encher sua cabeça, mas sim de fortalecê-la, desenvolver suas forças e aptidões, expandir-se, terá notado que não há nada mais chocho que conversar com um dos chamados literatos científicos sobre algo em que ele mesmo não meditou, mas de que sabe mil circunstâncias histórico-literárias. É quase como ler um livro de receitas quando se está com fome. Acho também que, entre as pessoas que pensam, que sentem seu próprio valor e o da verdadeira ciência, a assim chamada história literária nunca os empolgará. Essas pessoas usam mais a razão do que se preocupam em saber como os outros usaram as deles. O que é mais triste neste caso, como se comprova, é que quanto mais aumenta a tendência para as pesquisas bibliográficas em uma ciência, mais diminui a força para aumentar a própria ciência, e só cresce o orgulho pela posse da ciência. Pessoas desse tipo pensam mais na posse das ciências do que seus verdadeiros possuidores. É certamente uma observação com fundamento que a verdadeira ciência nunca torna seu possuidor orgulhoso; ao contrário, só se deixam inflar de orgulho aqueles que, por incapacidade de aumentar a própria ciência, dedicam-se ao esclarecimento de seus detalhes mais obscuros, ou sabem recontar o que os outros fizeram, pois consideram essa ocupação principalmente mecânica como o próprio exercício da ciência. Eu poderia provar isto com exemplos, mas os exemplos são coisas odiosas".
Fonte: SCHOPENHAUER, Arthur. Trad. HUMBLÉ, Philippe; COSTA, Carlos C. Sobre Livros e Leitura. Ed. Paraula. 1994.

5.5.06

“amor”

cada câimbra no meu dedo
parece teu desejo de hálito.

roupa nova, velha estirpe
somos todos trapos sujos.

o encantamento pela falta
sou o que te deu de errado.

em mim sol dia nublado
sempre a vez do bom
amigo
parece bastante estúpido
porque vez em quando
súbito
quem é amigo sabe
e se não sabe ouve.

saco de chispas
hino de ossos
aqui não é
para nós.

se viste com minhas
vestes
sempre que te odeio
tombo.

arregaçadas cansam minhas
narinas
na busca do teu toque frágil
contanto
sempre que te sinto e te falo
tenho.

4.5.06

“Silvana Mangano”

Silvana, a tragédia é toda tua
teu sorriso é o vale do meu pó
tua solidão, meu teorema incompleto
por tua falta Veneza morre a cada dia
tua boca é meu pedaço de conversação
tuas ancas largas, meu boogie woogie
teu véu de pecado engrandece Maria
Silvana, por deus, mantenha-se minha
nunca desapareça da minha miragem
tu que manténs homens pendurados
em espetos como pedaços de carne
tu que tens nos seios o poder da manga
nunca esquecerei dos teus pés delicados
jamais de tuas unhas como as de um gato
de teus olhos como dois relâmpagos
sei que esse poema é pouco para ti
sei também que é pouco para mim
mas mesmo a tentativa do preto
não apagou o branco da tua maçã
o filme era muito velho, de 1949
parecia que eu era o soldado pobre
aquele a quem você deixava por ouro
o engano da tua carne foi o erro do mundo
que levou teus passos ocos até a torre alta
teus cabelos mal cuidados da cor de tudo
tua morte sempre esteve no meu peito
como algo que nunca se completou
e sei que esse poema é pouco para ti
sei que é sem critério ou vanguarda
mas tento fazê-lo tão antigo quanto
o dia em que vi dançarem tuas pernas
e nunca mais me esqueci do teu nariz.

*se quiserem ver uma mulher extraordinária em ação,
procurem o filme "Arroz Amargo", de Giuseppe De Santis.

3.5.06

"A Flor e a Náusea" (Drummond)

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

2.5.06

“anunciação do vento”

folhas verdes indecisas disfarçadas de perdão
sufocam caleidoscópios reciclados em ouro
tento soletrar o que só o vento pode explicar
um vento moreno com cheiro de sebo íntimo
que procuro à noite por entre minhas virilhas
mas elas não suportam o calor da culpa antiga
e se pelo menos eu tocasse um instrumento
se em vez de viver a vida vivesse um sonho
do qual pudesse me lembrar nesse momento
passaria então a vida trabalhando num réquiem
feito do aplauso das folhas, do lamento do vento.

mas se a manta verde só espera pelo meu fracasso
o vento reage em módulos sinfônicos simpáticos
e o fracasso ganha cor de presente-ultra-passado
e vejo o gato chinês de Baudelaire
na frente de uma rosa de plástico
no colo de uma loira com gengivas enormes
dentro de um vaso transparente onde bóiam meus olhos.

um gosto ruim e conhecido de cerveja quente
parecido com aquele do meu último engulho
afasta de mim a verdade que a noite me mentiu
mais uma vez e tantas vezes quantas forem fezes
no banheiro do meu peito de onde ecoam vozes
longínquas mas constantes.

espectros de pedaços da antiga massa disforme
vazam por trás dos motivos de retorno ao nulo
corpo coberto de cores sem nexo debaixo do lençol
da memória das tuas mãos sem unhas no meu rosto.

calendário incompreensível de ponteiros módicos
a vida passa enquanto nós fazemos planejamentos
aliás, não se esqueça da criança que você nunca foi
qual a diferença entre o que se vê e o que se sente?

o anjo piolhento de Rimbaud irrompe na falta de talento
com seus muxoxos delicados por debaixo do solo da pele
fazendo coçar as tristezas que foram engolidas pelo vento
de repente me vejo cercado pelo sorriso amarelo das folhas
pensando que não será tão mau, que não será tão violento.

me grita o vento:
no dia em que eu
não mais acordar
dormirás em paz.