30.7.19

"já não sei ajudar"



hoje estou triste
especialmente
porque continuo,
mesmo depois
da meditação,
mesmo depois
de castrar o grito,
mesmo depois
de tapar a garrafa,
mesmo depois
de ter dois gatos,
mesmo depois
de enlouquecer,
eu continuo, sim,
sem poder dizer
algo de elevado
quando alguém
que eu amo sofre.

é uma canalhice
afundar no colo
de quem acabou
de pedir socorro.
já não sei ajudar,
sorrio como o que
necessita de ajuda
mui ardentemente,
mas não pode dar
um pentelho de si
a quem se afoga.

permaneço em fé,
já não sei ajudar.
os olhos do amor
são tão amarelos,
parecem os olhos
de um assassino.
a solidão é vazia,
seria fácil dizer.
não é a catástrofe
que prometeram.
precisamos estar
bem preparados
para quando cair
mais um amigo.
bem mais perto
do poema que
dos nossos pais.
umbigos abertos
cobertos de neve.


2.7.19

"porque é proibido usar a palavra poema"


pro capilé

você não é de forma alguma um trovão,
uma piscina de ladrilhos vazia à meia-noite.
eu abdiquei de quase tudo nesse mundo,
mas não sou capaz de ver-me livre de você.
e nem fazê-lo certo porque, quando surge,
você fica logo distante da minha emoção.
é mesmo uma pena e eu minto aos amigos
que vai tudo bem entre nós, mas você vê
nos meus olhos com pupilas eletrocutadas
que posso mentir sobre você a vida toda.
você não fala nada mas, inchadinho assim,
você fica também muito charmoso como
se fosse o marlon brando gordo daquele
lindo poema da ledusha, era mesmo ela?
não há resposta nesse novo amanhecer,
nem é lindo o labirinto a que me entrego.
desaprender a cada dia o que foi tomado
e correr vendado sobre um novo crucifixo.
veja bem: estamos quase mortos e você
é muito pouco, quase nada, e é todo meu.
que bom morrer tendo tudo que preciso,
mas você não é uma motosserra, protesto
por uma humanidade mais benevolente.
você nunca pirou como este que se entrega
vendado e errante e sem a menor chance.
não é um varal com roupa branca ao vento,
não é uma garganta degolada, dá até para
dizer que você nem mesmo esteve por aqui.
outra vez você escapuliu pela mata adentro,
você joga um jogo pesado e tem pés leves.
nunca pretendi te acompanhar, me arrasto.
e do seu rastro invento um mundo péssimo.
mas não quero acabar tão triste sua história,
então te enfeito com um milhão de corujas.