18.8.19

“cabelo virou moeda”



agora eu chupo coices,
outro dia me disseram
que mesmo quase velho
parece que tenho ainda
meus vinte e oito anos.

saturno só volta uma vez,
pensei lembrando a idade
em que devia ter morrido.
no destino de um saturno
que agora não volta mais.

de lá pra cá não teve um dia
em que dinheiro não fosse
o assunto do dia, principal
ator da noite: pessoas boas
não têm dinheiro, eu dizia
sem ser bom e sem dinheiro.

agora cabelo virou moeda
uma força estranha tornou-
me apto a usar a expressão
força estranha sem ser rei.

longe da catapulta, o tônus
cospe no olho da inocência
que ainda estica meu rosto
me lembrando aqui saturno,
aquele pai caixeiro-viajante.

pai este que, ao retornar
bastante decepcionado,
fez rachar a ampulheta
e meteu o pé na estrada.

aqui estou, vejam vocês,
dez anos depois do que
pareço agora, abusando
de rimas bem canalhas.

em apagamento sonhava
com um sol esplendoroso,
bola de fogo toda minha.
um dia apavorei o fogo,
arregalei-me e desesperei
porque o sol era horrível
e agora ele era todo meu.

perco cabelos, ganho asas,
sou cada vez mais parecido
com aquelas águias feias
tão bonitas nas bandeiras
das nações autoritárias.

recompõem-se o fígado,
disseram-me uns também.
quando eu disse no entanto
fumo feito uma locomotiva,
disseram não se preocupe,
pulmão é morte mais lenta.

rio e faço planos que se apagam
no decorrer de um dia capitalista
que me empurra na carne moída,
na farofa que trago em separado.

não são estupendos os planos
daquele que só tem um dia.
o mais improvável de salvar
uma vida perdida é ter vida
que valha a pena ser salva.

olho meus companheiros
neste western mal pago
em que chocamos esporas
mas que ninguém impôs.

relíquias do fim do mundo,
é como prefiro vê-los todos,
mas os abutres que rondam
também são meus primos.