30.7.21

"por uma poesia má"

para juliana e thadeu

 

nem só ela é mal escrita,

sobre assuntos obscuros,

mal-humorada sobretudo,

engraçada de tanto bico,

de tanta espuma na boca,

de sonetos mal acabados.

 

mas também esta que vira

os olhos dos acadêmicos.

eles não escrevem poesia,

então precisam saber tudo

que resulta da poesia ruim,

precisam ignorá-la em vida

para foderem bons poetas.

 

e muito acima de todo resto,

essa poesia que dá falência,

uma sobrevida de tuberculose,

uma gosma no canto da boca,

poemas que só conseguimos

vomitar com olhos fechados

na saída dessa eterna matinê.

 

também aquela que no meio

de uma conversa importante

se apresenta num tom agudo

para que todos ouçam poesia.

poesia mala e poesia operária

nos cumes das prisões do dia.

 

um grunhido, às vezes um gás

que pode explodir se tocar em

algo, exemplo, pegando fogo.

sim as gosmas de outras cores,

um arrepio total do bom gosto,

fezes que valem pouco dinheiro.

 

é como se fodêssemos as flores

e nelas injetássemos venenos

bonitos que levam ao colapso,

atitude em desejo analfabeto.

pela poesia malvada é preciso

navegar náusea em meio à lama

e roubar apenas aos domingos,

em nome de todas as religiões

e nunca por alguma paz eterna,

mas fogo no fígado xamânico.

 

20.7.21

"à espera de mais um milagre"


entupidas as válvulas da mágica,

há varizes nas pernas do poema.

cai cedo é sim teu nome próprio,

tudo lento no mistério desse triz.

formas simples no cume da crise

e patos abatidos na casa de tiros.

tristeza do milagre da vida sóbria,

e camadas de mosqueteiros ruins.

suicidas nas bordas da concepção

desafiam o valor real da amizade.

atrás de encontrar o sangue irmão

na vaga aberta da cova suspensa.

as veias inchadas de interrogação

e dedos que perfuram os sapatos

de uma ideia de todos nós juntos.

há um crime no sorriso da manhã,

um arroto de linguiça nos anseios.

viver é se deitar na ponta do gelo,

estar aqui é mágica sem o coelho.

o fim deste poema ficou péssimo,

ainda assim queria que fosse teu.

 

 

13.7.21

"karen"

  

só consigo pensar

em karen carpenter

e suas roupas folgadas

e seu jogo de beisebol:

a melhor entre os boys.

 

depois sua arcada,

os dentes de karen,

os dentes flutuantes

em direção ao abismo.

 

coisas que enterramos

mas que nos esperam

por debaixo das unhas.

 

como uma ilha sem mar

ou uma forma de visão

em que nunca somos

bastante ao que vemos.

 

não consigo, karen, parar

de escutar o teu contralto.

é difícil, eu sei, no escuro,

acabar de começar, agora

que a fome de mil crianças

com skates e achocolatados

se debruça na tua síndrome.

 

elas trazem a tua canção

como o segredo dos cílios

em tempos mais dinâmicos.

 

estamos enterrados agora,

mas nossos ossos sussurram

a carne excedente de deus

– a beleza de, aos poucos,

se dissolver para sempre

no mistério da comunhão.