5.5.20

“amar o monstro”



é muito difícil lamber o próprio monstro,
dar a ele de mamar, dizer te amo, monstro.
amo a sombra que paira da tua presença,
quero que estejas para sempre aqui comigo,
não quero te preterir em relação ao anjo.
na verdade, te conheço bem melhor que ele.
na verdade, fostes sempre meu mais fiel
companheiro cuja presença eu percebia.
quero sentir teu remédio amargo porque
os sinos da serenidade ainda não penetram
os ouvidos do meu sentimento mais fundo.
habitas meus sonhos com fidelidade serva,
onde estou sempre à procura da mochila
num ambiente cáustico de luxúria estéril.
já nos sonhos leves, sem a tua presença,
acordo iludido pela espiritualidade rasa
que pretendo ser minha, mas é tua falta
que produz uma ausência em mim de ti.
nos sonhos bons levo a mochila nas costas,
ela não pesa porque não tem nada dentro.
ao passo que a mochila procurada em terror
é cheia de tudo o que eu preciso e não tenho
e está sob o poder do monstro que eu amo.
quero amar-te como a ferida que me lembra
a queda de quando pensei que me seguiam
os anjos que não falam meu pobre idioma.
quero sorver, quente, tua sopa de tamanco,
quero lustrar teus chifres em pleno pecado,
lançar a carta que me devolverás marcada
pela fúria do teu corpo cascudo de leveza.
trazer-te na crista de uma onda gigantesca,
beber essa água suja com que afogaste a vida
falsa e angelical que me matou sem reserva.
curar a pele do teu combate contra o mundo,
fazer teu mundo girar na órbita da minha ira,
cantar tua ira de pé e com as costas curvadas
porque sem ti arregaço as calças da esperança
e afogo a chance de um dia estar no controle.
então abre os olhos, eu quero ver teus cílios,
quero entender a dor que espelha meu vacilo,
quero saber se ainda me amas com firmeza,
quero ouvir teus estrondos por cima da vida
e te embalar como o bebê que eu nunca fui.

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