4.11.18

"pastoral”



é preciso, com ternura,
saber ser destruído.
não pendurar holofotes
ou o pescoço nos erros.
aprender a tremer
se for para tremer
e dançar com vidro
dentro dos sapatos.

tu agora andarás
pelas ruas como
quem procura algo
no chão, em tempo
vais reparar: todos
caminham assim.

um balão de gás hélio, uma ternura,
vez por outra, em forma de coração,
escapará à mão da criança pequena.

pequenos seres que, maiores,
vestirão no teu lugar a coroa
de espinhos do teu egoísmo,
das vezes que odiou porque
não soube amar a ti mesmo.

agora ainda será possível esquecer
– das largas ruas escuras da tua
esperança sem parentesco virá
o velho vento frio da paranóia
ao meio-dia da maior escuridão.

nem de longe será a primeira vez,
mas é a tua vez e é sabido: pesa
sempre mais nos fracos como tu.

nos que sabem no que acreditar,
mas não sabem ainda quem são.

e pensar que tu ainda tens
dois gatos e um amor prometido.

é preciso saber escorar a queda
no quarto fúnebre do espírito:
saber teu destino de alma parda
e tua falta de fome sem pânico
já é sinal de manicômio à vista.

o caos que se apresenta é como
um bolo de chocolate
no paladar da tua oferenda.

nada a dizer,
cansado de escutar,
um amor apenas.

com uma pedra acaricias
a nuca do teu destino.
é preciso estar
de olhos bem abertos
quando se perde a visão.

mas não tem agora tirésias
no refugo do tempo escasso.
cada um de nós andará sozinho
com cada um de nós no bolso.
inventaremos novos códigos,
talvez o fascismo ainda tenha
algo incrível a nos ensinar.
até aqui carregaste contigo
uma hiena no peito e apresentas
todos os membros completos:
precisa ser suficiente por ora.

delicadamente tu levarás o tombo
sem poder ser ainda um especialista.
fará girar com muitos outros a corrente
lubrificada com sangue quente e fezes
de poucas grandes famílias louvadas.

é preciso, com ternura, comer as fezes,
dirão em breve, haveremos de tampar
os narizes e, fanhos, cantar outra vez
a fraternidade entre os seres humanos,
a boca sem feiúra da fome aniquilada.   

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