você
foi sempre um pouco minha elise,
rita
dizia que havia algo sexual entre nós,
mas
não estou tão certo assim de tudo isso,
acho
que tem mais a ver com nossa psico-
inclinação
franciscana um pouco picareta,
é
claro, pois somos ambos, todo mundo sabe,
poetas
do corpo a corpo, criaturas noturnas,
vultos
nas ruas do fim do mundo – engraçado
pensar
que um dia fomos garotos perigosos
e
agora todos nos olham (no meu delírio
somos
uma dupla, você o robin, é claro,
você
o danton, é claro, você o gauguin,
você
rimbaud, é claro, você ulisses lima,
–
eu, em ordem, batman, maximilien, van gogh,
verlaine,
belano) como se fôssemos de certa forma
mutações
dialéticas delirantes – é nessas coisas
de
crianças que você me faz pensar, mutações,
delírios,
azucrinação das bases sólidas – agora
estamos
aqui outra vez, parece que cortaram
nossas
asinhas, são esses tempos cabeludos,
pior
que isso, são esses tempos de peruca,
mas
ainda podemos nos emocionar, chorar,
você
bem mais do que eu, como sempre,
com
certas letras de música que, no fundo,
nos
lembram todas as namoradas do mundo
e
do fato de que estamos recém separados,
pelos
motivos, ainda que duros, necessários,
das
pessoas que mais amamos, e me parece
inevitável
pensar que tipo de mundo é este
onde
o maior amor se torna pouco a pouco
impossível,
e faz do afeto que dele se revela
uma
perfeita marmelada, prêmio de consolação
pelo
valor do tempo histórico compartilhado,
amizade
como a medalha de segundo lugar,
e
você sempre dorme muito mais do que eu,
mas
dessa vez acordou cedo e – milagre –
estava
limpo, por isso, creio, não tomou banho,
eu
tomei logo cedo, dei comida ao gato byron,
fiz
café para nós dois, acho que tem algo assim
em
alguma outra letra, roberto carlos talvez?
(quando
penso se uma letra é do roberto carlos
torço
que seja do erasmo, acho que você também
–
eu seria, é claro, o tremendão, e você, o traíra)
então
implorei que você tomasse um copinho
com
suco de laranja, que você engoliu rápido,
como
um michê engole a gala rala de um velho,
depois
eu disse vamos dar uma banda no centro,
e
fomos em silêncio com um baseado apertado,
estou
calado pensando que você talvez seja
o
único músico com olhos que conheço,
então
chegamos na praça xv onde impera
uma
sofisticada tristeza porque na praça
há
uma feira organizada por pessoas pobres
ou
pessoas não tão pobres, mas velhas e cansadas,
para
que pessoas ricas tenham a good time,
que,
se for traduzido como um bom momento,
parece
imediatamente algo pior, de todo modo,
fomos
direto à parte dos fundos, sempre fomos
corredores
de fundo, creio, e lá vão os skatistas,
os
pequenos ladrões e as bonecas nuas da barbie
enfileiradas
ao sol com os cabelos desgrenhados
como
mulheres vendidas na prateleira do pecado,
essa
frágil palavra insustentável, ao lado a bíblia
numa
bonita edição com capa de couro e zíper –
penso
que a palavra zíper é linda como um raio,
tiro
uma foto do mercado secreto de barbies nuas,
você
segue rumo ao mar, sempre assim os poetas,
mas
preciso do poeta ao lado para ser um também,
você
então acaba sendo meu carregador de bateria,
para
que a poesia siga trôpega o seu fio de prata,
então
sigo seus passos vacilantes até um banco
de
onde só me levanto para mijar na água suja,
um
pouco culpado por tanta vontade de mijar,
pensando
que talvez a bexiga um dia me mate
como
está matando meu pai, mas não há culpa,
na
água boia a merda pura do dia-a-dia citadino,
e
algumas botas de quem por desventura desistiu
–
olhando agora nós dois sentados à beira-mar,
como
dois coadjuvantes de um western mexicano
dividindo
uma bagana nos cinco minutos de intervalo
antes
de voltarem ao silêncio móvel de suas ocupações,
vendo
a merda boiar, garoa cair, me pego pensando
que
já fomos menos pacíficos – apesar de que hoje
eu
ando com uma faca na mão dentro do bolso –
ou
mais assustadores, você diz que está mais feio,
eu,
pelo contrário, só fico feio quando estou feliz,
mas
triste, miserável, fraco, fico lindo de morrer
e
com a pele bronzeada já que o sol é o abundante
alimento
da minha mais antiga tristeza provençal,
mas
quando penso melhor concluo que cansados
somos
mais apresentáveis, então estamos no ápice
da
nossa beleza mesmo não sendo nem de longe
aqueles
que pela primeira vez se estranharam e
se
assustaram um com o outro, pois a verdadeira
fraternidade
nunca é caridosa e sempre assusta,
mas
somos um pedaço, alguns diriam, patético,
do
que um dia foi a ideia de um grupo de amigos
–
ficamos nós dois, debi-loide / pepê-neném /
quixote-pança
(o pança varia) / charly-spinetta /
keaton-carlitos
– e o amor coletivo seca na boca
dos
mais sensíveis enquanto salivam por sucesso
os
entusiastas da causa própria: no tempo novo
compartilhado,
até os policiais estão entediados
–
aliás, um deles, de moto, se aproxima de nós,
imediatamente
jogo a bagana no chão e piso nela,
ele
puxa a viseira de acrílico do capacete e nos mira
enquanto
olhamos a merda comum que faz tudo
mais
simples, até o absurdo de nascer e morrer –
falamos
das ex-namoradas e torcemos que possam
ser
nossas amigas – ao chegar a idade da amizade
como
promessa possível, arroxeando a melancolia
como
gravata em volta do pescoço do sol violentado
pela
chuva fina crescente como picadas de paciência
–
o policial, meio sem jeito, dá meia volta e se manda,
você
diz que não fomos presos por sermos brancos –
italianos
brancos pobres, eu digo, é pior do que isso
–
ou ele ama alguém que perdeu para o destino, penso,
e me acalma a ideia de um policial que sofra por amor.
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