19.9.25

"pour diblasi"

 

você foi sempre um pouco minha elise,

rita dizia que havia algo sexual entre nós,

mas não estou tão certo assim de tudo isso,

acho que tem mais a ver com nossa psico-

inclinação franciscana um pouco picareta,

é claro, pois somos ambos, todo mundo sabe,

poetas do corpo a corpo, criaturas noturnas,

vultos nas ruas do fim do mundo – engraçado

pensar que um dia fomos garotos perigosos

e agora todos nos olham (no meu delírio

somos uma dupla, você o robin, é claro,

você o danton, é claro, você o gauguin,

você rimbaud, é claro, você ulisses lima,

– eu, em ordem, batman, maximilien, van gogh,

verlaine, belano) como se fôssemos de certa forma

mutações dialéticas delirantes – é nessas coisas

de crianças que você me faz pensar, mutações,

delírios, azucrinação das bases sólidas – agora

estamos aqui outra vez, parece que cortaram

nossas asinhas, são esses tempos cabeludos,

pior que isso, são esses tempos de peruca,

mas ainda podemos nos emocionar, chorar,

você bem mais do que eu, como sempre,

com certas letras de música que, no fundo,

nos lembram todas as namoradas do mundo

e do fato de que estamos recém separados,

pelos motivos, ainda que duros, necessários,

das pessoas que mais amamos, e me parece

inevitável pensar que tipo de mundo é este

onde o maior amor se torna pouco a pouco

impossível, e faz do afeto que dele se revela

uma perfeita marmelada, prêmio de consolação

pelo valor do tempo histórico compartilhado,

amizade como a medalha de segundo lugar,

e você sempre dorme muito mais do que eu,

mas dessa vez acordou cedo e – milagre –

estava limpo, por isso, creio, não tomou banho,

eu tomei logo cedo, dei comida ao gato byron,

fiz café para nós dois, acho que tem algo assim

em alguma outra letra, roberto carlos talvez?

(quando penso se uma letra é do roberto carlos

torço que seja do erasmo, acho que você também

– eu seria, é claro, o tremendão, e você, o traíra)

então implorei que você tomasse um copinho

com suco de laranja, que você engoliu rápido,

como um michê engole a gala rala de um velho,

depois eu disse vamos dar uma banda no centro,

e fomos em silêncio com um baseado apertado,

estou calado pensando que você talvez seja

o único músico com olhos que conheço,

então chegamos na praça xv onde impera

uma sofisticada tristeza porque na praça

há uma feira organizada por pessoas pobres

ou pessoas não tão pobres, mas velhas e cansadas,

para que pessoas ricas tenham a good time,

que, se for traduzido como um bom momento,

parece imediatamente algo pior, de todo modo,

fomos direto à parte dos fundos, sempre fomos

corredores de fundo, creio, e lá vão os skatistas,

os pequenos ladrões e as bonecas nuas da barbie

enfileiradas ao sol com os cabelos desgrenhados

como mulheres vendidas na prateleira do pecado,

essa frágil palavra insustentável, ao lado a bíblia

numa bonita edição com capa de couro e zíper –

penso que a palavra zíper é linda como um raio,

tiro uma foto do mercado secreto de barbies nuas,

você segue rumo ao mar, sempre assim os poetas,

mas preciso do poeta ao lado para ser um também,

você então acaba sendo meu carregador de bateria,

para que a poesia siga trôpega o seu fio de prata,

então sigo seus passos vacilantes até um banco

de onde só me levanto para mijar na água suja,

um pouco culpado por tanta vontade de mijar,

pensando que talvez a bexiga um dia me mate

como está matando meu pai, mas não há culpa,

na água boia a merda pura do dia-a-dia citadino,

e algumas botas de quem por desventura desistiu

– olhando agora nós dois sentados à beira-mar,

como dois coadjuvantes de um western mexicano

dividindo uma bagana nos cinco minutos de intervalo

antes de voltarem ao silêncio móvel de suas ocupações,

vendo a merda boiar, garoa cair, me pego pensando

que já fomos menos pacíficos – apesar de que hoje

eu ando com uma faca na mão dentro do bolso –

ou mais assustadores, você diz que está mais feio,

eu, pelo contrário, só fico feio quando estou feliz,

mas triste, miserável, fraco, fico lindo de morrer

e com a pele bronzeada já que o sol é o abundante

alimento da minha mais antiga tristeza provençal,

mas quando penso melhor concluo que cansados

somos mais apresentáveis, então estamos no ápice

da nossa beleza mesmo não sendo nem de longe

aqueles que pela primeira vez se estranharam e

se assustaram um com o outro, pois a verdadeira

fraternidade nunca é caridosa e sempre assusta,

mas somos um pedaço, alguns diriam, patético,

do que um dia foi a ideia de um grupo de amigos

– ficamos nós dois, debi-loide / pepê-neném /

quixote-pança (o pança varia) / charly-spinetta /

keaton-carlitos – e o amor coletivo seca na boca

dos mais sensíveis enquanto salivam por sucesso

os entusiastas da causa própria: no tempo novo

compartilhado, até os policiais estão entediados

– aliás, um deles, de moto, se aproxima de nós,

imediatamente jogo a bagana no chão e piso nela,

ele puxa a viseira de acrílico do capacete e nos mira

enquanto olhamos a merda comum que faz tudo

mais simples, até o absurdo de nascer e morrer –

falamos das ex-namoradas e torcemos que possam

ser nossas amigas – ao chegar a idade da amizade

como promessa possível, arroxeando a melancolia

como gravata em volta do pescoço do sol violentado

pela chuva fina crescente como picadas de paciência

– o policial, meio sem jeito, dá meia volta e se manda,

você diz que não fomos presos por sermos brancos –

italianos brancos pobres, eu digo, é pior do que isso

– ou ele ama alguém que perdeu para o destino, penso,

e me acalma a ideia de um policial que sofra por amor.

 

 

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